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Transportes públicos de brandos – brancos – costumes.

Uma das coisas que mais me tirava da “bolha” eram as minhas idas ao supermercado. Hoje em dia, por força de circunstâncias profissionais, são as viagens diárias de comboio e de metro. Uma rotina mergulhada no território do suburbano e do urbano quando chego à cidade do Porto.

A um caldo sociológico, factos e ações, acrescentou-se agora um outro, tão ou mais enriquecedor, o que me torna uma pessoa mais realista.
Os relatos seriam inúmeros, o que daria já um livro de crónicas.

Este relato vem a propósito do facto de numa das viagens de regresso ao final do dia, num comboio, que nunca tem o número suficiente de carruagens para todas as pessoas, e em que encontrar um lugar vazio se vai disputando, nas sucessivas paragens onde estas se escoam.

Ali sentado, num comboio sobrelotado, estava uma pessoa de tom de pele mais escura, barba comprida grisalha, e de uma magreza escondida num fato de treino com uma mochila ao colo que o encobria ainda mais. Tenho para mim que se tratava de uma pessoa migrante, que já constatei, começam a deslocar-se mais para o interior em procura de rendas e condições de vida mais em conta.

Em pé, mochila ao ombro, ao lado desta pessoa estacionei, para fazer a minha viagem, agarrando com uma mão a barra que me suportaria e com a outra segurando um livro que me consumia.

Ignorando aquela pessoa porque mais atento ao livro, fui-me afastando passo a passo, em busca de um espaço mais livre e que me garantiria um maior equilíbrio, até também eu conquistar o meu lugar sentado até ao fim da viagem.

De súbito, numa paragem, porque a cada paragem o meu foco é aquele lugar que vai ficar vazio, não pude deixar de observar que aquele lugar que a pessoa de pele escura, como acima tentei descrever, tinha acabado de sair.

Neste momento, passei a observar, atónito, um casal de pessoas de terceira idade e duas pessoas jovens adultas, mais próximas daquele lugar, que estranhamente não disputavam aquele lugar vazio, como sempre é habitual e mais, natural, antes pelo contrário, convidavam-se muito simpaticamente umas às outras para ali se sentarem!

Não queria acreditar naquele cenário, acabava de concluir que nenhuma destas quarto pessoas se queriam sentar no assento deixado pela pessoa de pele escura de fato de treino…e que me pareceu tratar-se de uma pessoa migrante.

Num ímpeto, avancei, dando dois a três passos e, sem antes, perguntei ao casal de terceira idade se não queriam mesmo aquele lugar, e mediante uma resposta negativa, sentei-me eu, para espanto daquelas mesmas pessoas, sendo que as mais jovens adultas notoriamente ficaram embaraçadas e uma delas até ficou com a pele de rosto vermelha como um pimento. Curioso como a nossa pele muda por fatores externos…

Neste entretanto, uma nova paragem e dois lugares do lado oposto, ficaram livres, livres de pessoas de pele mais branca, mais asseadas, e quiçá mais perfumadas. As pessoas da terceira idade conquistavam assim o seu merecido assento!

Desta vez, estes recusaram a minha habitual obrigação cívica e até moral em lhes ceder o lugar, não fossem creio, ficarem contaminados por aquele assento de alguma falta de brancura, e, ou, asseio.

Post Scriptum: No metro do Porto, pessoas migrantes, toxicodependentes, sem abrigo, alcoólicas e pessoas com visível doença mental, evitam-se. Isto é, afastamo-nos sempre que possível, não nos sentámos no banco ao lado, e claro, muito menos, no banco que deixam vazios.

  • O título deste texto foi adaptado do título do livro “Racismo no País dos Bancos Costumes” da Joana Gorjão Henriques. Edições Tinta da China.

Milton Brochado

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