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Amnésias Falaciosas

Numa noite bruscamente mais enegrecida, Sara Carreira deixou-nos.

No dia 5 de Dezembro de 2020, encontrando-se bem, fez o que muitas outras vezes já tinha feito, viajando com o seu namorado e com ele a conduzir para outro lado. Nessa noite e na hora do acidente não chovia e o  nevoeiro alegado pela defesa no Tribunal, que não era espesso, permitia ver com clareza a frente da estrada, pelo menos a cem ou mais metros.

De repente, um carro conduzido a 28 Km/hora numa auto-estrada perturbava  o normal fluxo rodoviário, criando todas as condições para o acidente que então ocorreu e para o conjunto de embates que se seguiram, um dos quais com o carro conduzido por Ivo Lucas e o qual acabou por vitimar mortalmente Sara Carreira.

No dia 5 de Janeiro deste ano – mais de três anos depois do trágico acidente -, finalmente é conhecida a sentença relativa ao referido acidente, e como já se esperava, uma amnésia geral verificada em sede de julgamento acabou por ditar o veredicto final:

– um condutor irresponsável que conduzia a 28Km à hora – Paulo Neves – em plena auto-estrada, que beneficiando da negligência das autoridades policiais presentes, só quatro horas mais tarde é que foi sujeito ao teste anti-álcool, apurando-se, por isso, valores mais baixos do que aqueles que antes se registariam, ofuscando-se assim e grosso modo a busca de um resultado mais real, para que em sede de julgamento se pudessem retirar responsabilidades  e penalizações mais consistentes;

Depois, um segundo embate, desta feita por um carro  conduzido por Cristina Branco -,que devido ao “trauma que diz ter sofrido em  consequência do acidente”, de nada mais se lembrava, a não ser do acto de ter retirado a sua filha – e bem -, do interior da viatura, ficando a partir daí e sem qualquer sinalização, os dois carros a obstruir perigosamente uma parte considerável da faixa de rodagem, não obstante continuar a ser possível a circulação, desde que essa passasse a acontecer  num quadro especial de extrema cautela;

Logo a seguir, um terceiro carro, este conduzido por Ivo Lucas, que não se lembrando de mais nada, lembrava-se apenas que não conduzia a mais que 85Km/hora, quando todo o país sentiu e acredita que se fosse a essa velocidade teria conseguido desviar-se do carro em que embateu, e que se assim fosse, por certo teria evitado a morte da sua namorada. Por conseguinte, acreditando-se mais de que se tratou de uma mera distracção ou de qualquer outra falha, seria bom que Ivo Lucas, mais cedo do que tarde, conseguisse procurar os pais da Sara, tão  para a esses contar a verdade que permanece oculta e apresentar um honesto pedido de desculpa, no pressuposto de que Tony Carreira já decidiu perenemente sobre o caso, proferindo que relativamente ao processo sentenciado não há mais nada a dizer e que sobre o mesmo nunca  procurou qualquer vingança!

Seguidamente, outro carro – o quarto -, que conduzido por Tiago Pacheco embate no carro de Ivo Lucas, onde, supostamente, Sara Carreira já se encontraria falecida, sendo que também este, de pouco ou de nada se lembrava, quer antes, quer depois desse embate.

Da referida amnésia colectiva saíram todos o melhor possível do julgamento consumado, menos a querida Sara Carreira, por sinal aquela que menos responsabilidade teve no desencadeamento daquele terrível acidente e logo a seguir no embate do carro que a vitimou..

E se a todos os outros seria possível desculpar as suas falhas e posteriores condutas, a Ivo Lucas não! -por ser o namorado a quem Sara tanto amava e a mulher que ele não soube proteger -, na justa medida sobre a forma como provavelmente conduziria, porventura supostamente distraído, e por, em memória da mesma, ainda não ter encontrado um momento de divindade para, condignamente, assumindo reais responsabilidades – não as judiciais, porque essas já não interessam -,  contar toda a verdade a seus pais.

Rejubilando com a força de Tony Carreira, que em manifesto esforço emocional se apresentou no Tribunal -, não tanto para assistir à leitura da sentença, mas, sobretudo, porque ali, com a sua presença e a da Fernanda, se assinalava um acto maior de amor e de homenagem em defesa da memória da sua filha -,  o Tony, mesmo quando sentado nunca deixou de permanecer de pé e tão só para no final sentenciar o que se lhe afigurava de mais importante: «Não vim aqui procurar vingança, mas apenas pela minha filha»“! Bem haja Tony!

E eu, e muitos de nós que por todo o país tanto gostávamos da Sara, só podemos abraçar e concordar com ele e com as palavras por si proferidas à saída do Tribunal: «A justiça é sempre relativa e sendo assim espero que todos os que tanto amavam a Sara, não concordando com esta Justiça, saibam continuar a resistir, conformando-se com ela».

Sendo bem visível que esta relatividade serviu para desculpabilizar alguns em detrimento de um bem maior – a vida de Sara Carreira -, saibamos acolher o conselho de seu pai, conformando-nos, sim, mas jamais esquecendo a Saraa linda e florescente estrela que ficará perenemente dentro de nós! – e que apenas faleceu devido  à negligência e/ou irresponsabilidade de vários condutores – Ivo Lucas incluído -,  sobretudo daquele que em primeiro lugar provocou o fatídico acidente.

José Quintela

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