25 de Abril de 1974.Quatro horas. Inesperadamente sou acordado pelo Furriel Hermínio, controleiro político de uma célula militar no Regimento de Transmissões em Arca D’água no Porto.
Nessa altura eu já era um activista militante do MDP/CDE, mas a abordagem foi perfeitamente natural, porque, já antes, em grupo maior e depois do “Processo das Caldas”, havíamos conversado numa casa do PCP, algures na cidade do Porto.
– «Há movimentações militares em Lisboa. Mantém-te vigilante porque logo que possa voltarei aqui para fazer o ponto da situação».
– Assim foi. Tendo-me mantido acordado, durante o resto da noite não voltei a falar com o Furriel, nem foi preciso, porque nos dias seguintes, muito perto do Quartel General para onde fomos destacados em serviço de Segurança, não fardado, acabei por o encontrar no desempenho de outras tarefas…
Muito ocupado com os transeuntes, a quem prestava alguma informação, o Furriel fez de conta que não me conhecia, porque assim era a norma estabelecida e porque agora as suas tarefas já eram mais diversificadas, uma vez que começava a ser imperioso organizar a população que desde o primeiro dia ainda se encontrava muito confusa.
Nesse dia e nos seguintes, eu e os demais camaradas militares destacados para a Baixa do Porto não tivemos formação na área das nossas especialidades – Transmissões -, sendo que desde o dia 26, todos nós e muitos outros passaram muitos dias fora do Quartel, umas vezes junto do Quartel General e outras na Baixa muito perto da Estação Ferroviária de São Bento.
Não tendo G3 distribuída, fiquei espantado com a reacção do povo do Porto, quando nos dias seguintes e já muito confiantes sobre o que estava a acontecer começaram a abraçar e a beijar os soldados, introduzindo os primeiros cravos e outras flores nos canos das suas espingardas.
Entre o dia 25 de Abril e o 1º. de Maio desse ano, jamais tivemos aula de Morse e sendo a maioria de nós completos imberbes no plano político a verdade é que nos sentíamos pequenos reizinhos, atendendo às palavras e aos gestos carinhosos que as pessoas nos dirigiam.
Seguidamente e já com a especialidade concluída, “marchei” até Almada onde na Costa da Caparica aguardando uma mais que certa mobilização para o Ultramar, aprofundei o estudo e os conhecimentos na área das Transmissões.
Ainda na Costa da Caparica, organizado que estava numa célula militar ajudei a promover e participei em dois “levantamentos de rancho” tendo numa dessas vezes sido admoestado por um oficial – que muito vermelho e borrado de medo veio ter comigo dizendo:. «Não faças isso. Tem muita cautela»!
Essa fase também passou e da Costa da Caparica rumei para o Quartel General de Évora, onde, pelas acções políticas/culturais a que fui chamado a desempenhar, acabei por ser muito feliz.
Desde logo, porque passados poucos dias, num Plenário Militar realizado no Teatro Garcia Resende, com a sala a abarrotar de militares, fui eleito representante dos soldados para uma Comissão de Dinamização Cultural, tendo depois disso, andado cerca de cinco meses por todo o Alentejo em sessões culturais contínuas junto dos operários agrícolas, ajudando-os na organização e na criação das suas estruturas específicas, mais tarde baptizadas em Cooperativas Agrícolas.
E quando tudo corria muito bem em cima dos carris eis que em Janeiro de 1975, um ano depois de ser incorporado, chega a notícia da minha mobilização para Angola.
Regressado a casa onde já não vinha há muito tempo para gozar alguns dias de férias, pois a dinamização cultural não dava tempo nem direito a fins de semana, não disse aos meus pais que em Fevereiro iria para Angola e tão só porque o meu irmão Clemente ainda estava na Guiné, onde a situação militar continuava muito complicada.
Depois de uma viagem muito longa – mais de 11 horas de voo – no dia 24 de Fevereiro de 1975, aterro finalmente em Luanda sentindo de imediato um misto de alegria e de deslumbramento pelo que já estava a observar e pelo que iria viver, mas, também, uma enorme desolação, por ter sido compelido a deixar de acompanhar e intervir no processo revolucionário do meu país.
No dia seguinte, apresentei-me no Quartel General de Luanda onde permaneci alguns meses e onde cumpri a maior parte das minhas funções militares em Angola.
Só que, passados uns meses, ao contrário de ser desmobilizado, como já estava a contar, sou enviado para Cabinda, um enclave fascinante e onde por minha culpa corri alguns perigos, já que tinha o péssimo hábito de sair para a rua com um livro na mão procurando obter conversas e conhecimentos junto da população local, principalmente daquela que me parecia menos fascinada pela FLEC.
Adorei Cabinda e continuo fascinado por Luanda de modo que, tal como canta Paco Bandeira, «dentro de mim o mesmo sonho anda, o de poder um dia voltar a Luanda».
No final de Outubro de 1975 regressei ao “puto” sendo esta a designação que os militares e alguma população local usavam quando se referiam à Metrópole.
Conheci e fui “assediado” por algumas mulheres especialmente bonitas e com algumas propostas de bons empregos, tendo chegado a considerar a possibilidade de ficar por lá, só que, naquela altura e para as pessoas como eu, que tinham militância comunista, o seu lugar era aqui.
Passados uns anos comecei a considerar que fiz mal, mas depois de começar a constituir família – 1983 – percebi que fiz bem e que o meu lugar na vida na sociedade e para a comunidade só poderia ser aqui.
José Quintela