Marlene Campos é apenas uma das centenas de caras que têm usado a sua voz na luta por um melhor futuro escolar. É Professora na Escola Básica e Secundária Dr. Machado de Matos, do grupo 220 – 2º ciclo – Português e Inglês e pós-graduada em Educação Especial no domínio Cognitivo e Motor. Numa conversa aberta com o SF, mostrou-nos os maiores desafios que têm passado na sua profissão e deixou um apelo a toda a comunidade.
A profissão de professora foi sempre o sonho de menina?
Sim, sempre foi! Mas não creio ter sido por algum motivo em especial, até porque na minha família nem tenho ninguém da área da educação. Mas desde pequenina que ao brincar com as minhas bonecas, as colocava em cima da cama e com um quadro de giz fazia de conta que lhes estava a dar aulas. Sempre achei que seria ou professora, ou jornalista de desporto. Talvez até tenha tido algum professor que me inspirou, inconscientemente, a seguir pela educação. Ainda acredito numa educação com professores que acompanham os alunos do 1º ao quarto ano e, dessa forma, criam um maior vínculo com eles. E eu tive uma boa professora na Escola Primária.
Em que altura é que decide candidatar-se para dar aulas nos Açores?
Eu acabei o meu curso em 2000 e fui estagiária numa associação onde dava formação de Inglês ao Primeiro Ciclo. Em 2001 concorri e entrei em Braga, mas não era um horário completo. Mesmo assim, aguentei-me durante esse ano. Em 2002 consegui ficar colocada muito perto de casa, em Famalicão, mas apenas com nove horas. Percebi que as coisas estavam complicadas e que tinha de me fazer à estrada. Nessa altura já era notória uma instabilidade nos professores. Como tinha uns colegas nos Açores que me diziam que lá era tudo mais estável e estavam a precisar de professores na região, pensei que era uma boa oportunidade. Concorri e fiquei o primeiro ano na Ilha de São Jorge e depois mais 14 anos na Ilha de S. Miguel, onde acabei por efetivar e entrei para os quadros. Foi lá que conheci o meu marido e onde tive os meus filhos. Na verdade, o meu marido é de Felgueiras e passados todos esses anos decidimos regressar porque, apesar de estarmos lá bem, sempre quisemos assentar junto dos nossos.
Trabalhei nas Furnas e depois em Rabo de Peixe. Esta última escola foi muito desafiante, porque apesar de me ter deparado com bons alunos, é certo, alguns apenas iam à escola para que os seus pais recebessem o rendimento mínimo – ajuda do Governo Regional. Aí pus em questão todas as minhas práticas. Mudei, melhorei e adaptei-me. Tentei perceber o lado dos alunos, as suas vivências e coloquei-me muitas vezes no lugar de cada um deles.
Era exatamente aí que queria chegar, aos desafios desta profissão.
O mais difícil é ensinar a quem não quer aprender. Temos de arranjar outras estratégias para os ensinar sem eles se aperceberem. Eu acredito que tem de existir uma boa relação e uma conexão entre o aluno e o professor. Dessa forma, a aprendizagem torna-se muito mais fácil. Nos alunos mais complicados, nós sermos um bocadinho mãe, avó, psicóloga, ajuda imenso porque muitas vezes o que precisam é de atenção. Primeiro, devemos conquistar o aluno e depois dar-lhe as ferramentas necessárias para ele aprender.
NÃO É UMA QUESTÃO MONETÁRIA,
É UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA.
A situação começa a complicar um pouco mais a partir do ano de 2005/2006. O que aconteceu?
Sim, foi na altura de Maria de Lurdes Rodrigues como Ministra da Educação que se começou a notar uma descredibilização na profissão do professor. Ela vem com novas reformas de ensino que não iam ao encontro daquilo que os professores queriam para a escola pública. Tudo isto fez com que toda a profissão do professor tenha sido massacrada e modificada desde há 17 anos para cá. Na verdade, eu não passei por essas mudanças porque estava ainda nos Açores e, mesmo sendo o mesmo Portugal, as coisas não aconteciam da mesma forma no Continente e nas Ilhas.
Há professores, por exemplo, que estão na carreira há mais de 30 anos e ainda estão no mesmo escalão do que eu. Isto porque foram colocadas quotas definidas pelo Ministério da Educação e Ministério das Finanças. Vou tentar dar um exemplo para melhor compreensão. Imaginemos que o Ministério das Finanças diz que este ano há quatro mil vagas para o quinto escalão. O que é que implica nós mudarmos de escalão? Implica recebermos mais dinheiro. Ou seja, é uma medida economicista. Porquê? Quem passa para o quinto escalão são as tais quatro mil vagas. Mesmo que eu tenha a menção de “Muito Bom”, como as quotas não chegam para todos, faz com que eu não passe para o quinto escalão e vá para uma lista de espera por tempo indeterminado.
Mas se há quatro mil vagas e seis mil professores com a menção de “Muito Bom”, quem é que faz esta “triagem” de perceber quem passa de escalão e quem fica em lista de espera?
É a escola. E é muitas vezes esta situação que cria mal-estar nas escolas entre os colegas. Eu senti muito isso quando vim dos Açores porque lá nós não tínhamos quotas. Até não percebia muito bem o que se estava a passar. A escola tem, imaginemos, seis vagas para passar para o quinto escalão e tem dez professores. Como é que é feita essa avaliação? Através de aulas assistidas por um avaliador externo (que eu até concordo!) de onde surge uma nota que, juntamente com projetos e outros trabalhos que elaboram nas escolas, conta como um “desempate”. Que muitas vezes não é justo, porque vemos muito bons professores com excelentes notas a não conseguir subir de escalão e a ficar em lista de espera.
DEVEMOS LUTAR SEMPRE POR AQUILO EM QUE ACREDITAMOS
Temos sido “bombardeados” diariamente com imagens das greves dos professores. Creio que as pessoas devem ser bem informadas acerca do porquê desta luta.
Nós professores achamos que as medidas que têm sido tomadas não têm dignificado nada a nossa profissão. Mas o que despoletou a grande faísca destas greves foi o facto do Governo querer passar a contratação dos professores para 23 mapas intermunicipais. Desta forma, os professores eram colocados num concurso em função, não do que tinham escolhido, mas sim em função da decisão dos Conselhos de Diretores das várias escolas, que, neste caso, escolhiam os professores com base num perfil e das necessidades dos agrupamentos.
Nós achamos que tendo um concurso com graduação, não seria justo. Esse tal perfil, que ainda estaria por definir, seria sempre muito dúbio, ou seja, não tínhamos a certeza o tipo de perfil que cada agrupamento procurava.
A partir daí, os professores uniram-se! A maioria dos assistentes operacionais e gestão das escolas já fazem parte das Câmaras e então só faltávamos nós, professores. E não queremos que isso aconteça. Estamos habituados a concursos claros e queremos que isso continue a acontecer. E temos a certeza que uma parte desta medida caiu porque os professores se uniram e conseguiram perceber que, ou é agora, ou nunca. O que nos preocupa são os moldes dos concursos daqui para a frente. Falo por mim, que estou na carreira há 20 anos, é por isso que estou em greve, porque eles dizem que “o professor não tem de dar aulas onde tem casa, mas sim ter casa onde dá aulas”. Se assim é, têm de dar incentivos.
Então o conselho de Diretores é o grande motivo pela continuação das greves?
Exatamente! Querem que os Diretores vejam qual a necessidade de cada escola em que podem achar que, por exemplo, a escola não precisa de mim o tempo todo e mandar-me completar as horas numa outra escola. Ou seja, precariedade. Temos de andar de escola em escola, que muitas vezes nem sequer são próximas. E estes professores, para completar horários, poderiam ser “aproveitados” para as diversas lacunas que existem numa escola: apoios individuais, tutorias, acompanhamento de alunos de Educação Especial, porque não?
TEMOS AGUENTADO TODOS ESTES “ATROPELOS” PELOS ALUNOS. POR ELES. PORQUE É AINDA DENTRO DA SALA DE AULA QUE GOSTAMOS DE ESTAR
Já sentiram que houve algum avanço?
O Governo diz que sim, mas o Sindicato diz que não.
Mas isto não é uma luta do Sindicato, mas sim dos professores, por uma melhor escola pública. Mas a verdade é que só se reuniram depois de perceber o quanto os professores estavam unidos. Porque até lá os Sindicatos pediam reuniões com o Sr. Ministro e ele nunca se disponibilizou. Participei na manifestação em Lisboa e aí abriram-nos a porta para nos receberem.
Como mãe, como vê a preocupação dos pais pelos filhos que não têm aulas?
Relativamente à preocupação dos pais, devido à greve e à falta de aulas, gostaria que pensassem que esta luta não é só uma luta de professores, é uma luta para uma escola melhor, uma escola onde os professores se sintam valorizados, que sintam que há alguém (nomeadamente o Ministério da Educação) que os ouve, pois só quem está no terreno é que sabe do que a escola precisa.
Os pais têm de saber que as escolas precisam de mais funcionários – assistentes operacionais, que também não viram a sua carreira valorizada -, precisam de mais psicólogos, mais técnicos de Educação… Precisam de ter instalações dignas com salas em condições. Precisam de professores motivados e não professores que veem a sua carreira congelada e as quotas para subir de escalão. Que veem o décimo escalão como uma miragem. Que ganham pouco mais de vinte euros do que ganhavam há doze anos. Os pais precisam para os seus filhos um corpo docente estável, não de professores de casa às costas. As crianças não estão a ser prejudicadas pelos professores, que tudo fazem pelos seus alunos. São professores, são pais, são amigos. São muitas vezes o seu porto seguro.
Aliás, nós não gostamos de greves, mas devido à falta de diálogo e à prepotência demonstrada por mais este Ministro, os professores resolveram dizer: BASTA.
Porque acreditamos que toda a Escola Pública precisa de ser repensada.
Se um dos seus filhos lhe dissesse que queria ser professor, o que lhes diria?
Nesta conjuntura dizia-lhes logo que não. Aliás, já o disse à minha filha, mas ela tem apenas 6 anos. Ela faz as mesmas coisas que eu fazia quando era pequenina, coloca as bonecas em cima da cama e faz de conta que as está a ensinar e diz sempre que quer ser professora. Mas eu digo-lhe sempre “Nem penses! Já viste o quanto a mãe trabalha até aos fins de semana e mesmo assim dizem que os professores não fazem nada?” Tento apenas mostrar-lhe que não é uma vida fácil e ela percebe que os nossos dias (meu e do pai) são passados entre avaliações, grelhas e preparação de aulas.
Obrigada, professora Marlene
Se me permites, para terminar, uma palavra também de apoio aos assistentes operacionais que também viram a sua carreira estagnada. Um assistente operacional, quer trabalhe há vinte anos ou há dois, ganha o mesmo. E precisaria de chegar aos 12º anos para chegar ao topo da carreira. Assim, a luta é de todos e apelo a que todos, comunidade educativa, se junte a nós neste “grito” pela Escola Pública. Também sou mãe de dois e como Encarregada de Educação também tenho as minhas preocupações. Não quero desencorajar ninguém a ser professor, até porque é a minha grande paixão, mas se esta conjuntura atual se mantiver, será muito difícil ser professor.
Por fim, mais uma vez salientar que temos aguentado todos estes “atropelos” pelos alunos. Por eles. Porque é ainda dentro da sala de aula que gostamos de estar.
Elsa Ferreira