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Desta vez, é diferente

Com raríssimas exceções, a classe docente sempre foi um pouco reticente a organizar e, principalmente, participar em greves com impacto nacional. Provavelmente, não só a grande heterogeneidade de situações e contextos que caracterizam a carreira docente, bem como o número assinalável de sindicatos que a representam têm contribuído para esse constrangimento na hora de reivindicar.

Desta vez é diferente. A insatisfação desta classe profissional é generalizada e, entre muitos outros fatores, um sindicato (S.T.O.P.) tomou uma posição mais assertiva, proativa e interventiva, galvanizando e sensibilizando milhares de docentes para a consciencialização de que o próximo dia 14 de janeiro é o momento e Lisboa o palco privilegiado para chamar a atenção de uma classe governativa que, há largo período de tempo, tem maltratado os professores, em variadíssimos aspetos, alguns perfeitamente reconhecíveis perante a opinião pública geral, outros mais ocultos ou disfarçados e apenas do conhecimento de quem faz parte deste ecossistema. Não nos alonguemos mais: poucos terão a noção de que a sobrecarga de trabalho burocrático que, neste momento, caracteriza a vida em qualquer escola deste país faz com que a elaboração deste artigo, da minha parte, tenha de ter ocorrido a horas pouco aconselháveis para quem pretenda ter um estilo de vida minimamente saudável. Ainda assim, esta situação é pontual e pode ser facilmente esquecida; todavia, o que nunca deverá cair no esquecimento é o reconhecimento de que neste momento há imensos professores que, para conseguirem participar, por exemplo, em ações de formação, têm de faltar a reuniões que são marcadas para a mesma hora, pois não existe tempo útil disponível para que estas atividades sejam compatíveis em termos de horário. Por outras palavras, tem-se falta a umas atividades para poder participar noutras. Por falar em singularidade da situação extrema a que chegou a atividade docente, convém recordar que os professores que dão aulas ao ensino profissional têm, legalmente, de repor todas aquelas a que faltam, o que seria de elementar justiça, porém, nestas também se incluem as abrangidas pelo seu direito à greve ou à licença de nojo, por exemplo!!! Com professores desmotivados e alienados dos seus direitos mais básicos a escola pública fragiliza-se, condenando, no processo, todos os envolvidos a um contexto de estagnação e descrença. O futuro fica comprometido.

De facto, muitos outros fatores levarão milhares de professores às ruas de Lisboa, não será necessário um levantamento exaustivo de todos eles, pois muitos são já sobejamente do conhecimento do público, como o corte na contagem do tempo de serviço dos docentes do continente português, enquanto que os professores dos Açores e da Madeira tiveram a contagem integral dos seus tempos de trabalho, com impactos óbvios nas suas remunerações e acesso a uma merecida reforma, o que leva questionar se haverá docentes de primeira e docentes de segunda num mesmo país chamado Portugal. Como se tal não chegasse, a proposta de municipalização do recrutamento dos professores é a última manifestação de absoluto desprezo de toda uma carreira profissional que tem os seus critérios, há muitos anos a esta parte, bem definidos a nível nacional e, agora, pretendem submeter estes profissionais ao jogo e interesses de representantes municipais que, na maioria dos casos, valorizam claramente outros objetivos que não aqueles de natureza pedagógica e/ou educativa. Ser professor é uma vocação, com uma missão claramente definida, incompatível com contextos mesquinhos e asfixiantes que sonegam a esta profissão aquilo que ela possui de mais íntegro e representativo: a busca incessante de conhecimento e a sua partilha, sem qualquer tipo de coação ou constrangimento!!!

Em jeito de conclusão, relembro uma figura incontornável da nossa contemporaneidade, ex-presidente do EUA, Barack Obama, que convidado para a Vtex Day 2019, em São Paulo, enfatizou a necessidade de valorizar o professor, pelo impacto que esta atitude terá no futuro (“We’ve got to make sure that teachers are respected, that they are rewarded, that young people like yourself, who have talent and want to work with people (…) live out a great life being a teacher.”) No fundo, um país que desrespeita a sua classe docente não acautela o seu futuro. Por isso, iremos muitos a Lisboa, no próximo dia 14 de janeiro, não apenas porque está em causa a justiça para com os professores portugueses, mas porque não podemos perder o amanhã… de braços caídos. Desta vez, será diferente.

Nelson Valter da Silva Alves
Escola Secundária de Felgueiras

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