Espelhando permanentemente o trabalho de quase dois séculos de vida, onde mestres brilhantes e músicos do mais elevado requinte musical, conseguiram manter e fazer crescer a sua “nossa” Banda Filarmónica, eis que, cento e setenta e dois anos depois, assistimos a um registo maior da sua grandeza, ao fazer confluir num só dia diversas iniciativas dentro de um vasto programa festivo, onde uma Arruada, uma aveludada Sessão Solene, um extraordinário Concerto Musical e um jantar de confraternização marcaram em formato doirado o presente aniversário, o qual acabou por ficar especialmente abrilhantado pelo valor extraordinário do Livro editado e apresentado no mesmo dia, não só para registo resguardado e consolidado do seu passado valoroso, mas, também, para entendimento seguro e perene da sua história.
Constituindo-se, desde a sua fundação, como uma referência importante e inigualável da Cultura Popular Felgueirense, a Banda de Música de Felgueiras é e continuará a ser um emblema importante da “Arte e da Técnica de combinar os sons de forma melodiosa”.
Encontrando-se, desde os seus primórdios intrinsecamente sempre ligada a verdadeiros sentimentos de bom gosto musical, suavidade, prazer e alegria, a música por si representada, “sem dizer nada a todos aqueles que menos a compreendem, acaba por dizer tudo o que precisamos de ouvir, porque nos diz sempre aquilo que não somos capazes de dizer”.
Fazendo parte daqueles, por sinal muitos, que pouco percebem de música, a verdade é que, quando ouço trechos musicais tocados por Bandas Filarmónicas, e neste panorama, os superiormente interpretados pela nossa Banda, acabo por me sentir gostosamente impelido para o ensejo de escrever poesia, buscando nos seus sons e nas suas melodias o encantamento e os encadeamentos perfeitos para abraçar esta arte, compondo, não raras vezes, novos poemas e imaginárias árias de teor profundo.
Alicerçada nos princípios dos primeiros sons da Banda dos Ravinhades e sem deixar de abraçar o importante legado da Banda dos Bombeiros Voluntários de Felgueiras, chegamos à Banda do Aniceto, registo eloquente do seu património histórico e da enorme relevância para marcar o percurso da evolução qualitativa que ainda hoje se respira.
Porém, será a partir de 1959, já sob a batuta “virtuosa” de Henrique Pereira Ribeiro, com renovadas motivações e mais investimento no ensino de novas crianças, que se dá a viragem qualitativa que hoje se conhece, qualidade essa sempre em crescendo e ora revigorada, pelo igual empenho, pelos conhecimentos acumulados e pelo estudo permanente da arte, ciosamente reflectidos e ampliados no trabalho do actual maestro Henrique Pinto Ribeiro, baluarte de persistência e de resiliência no prosseguimento da qualidade e da modernidade que é preciso continuar a salvaguardar, como um dos meios mais adequados para conceber e protagonizar novas vertentes da mesma luz e para manter a música popular igual à sua natureza, trabalhando e promovendo novas músicas de bom gosto, que com mais ou menos esplendor nos possam continuar a transportar deliciados para momentos de elevado êxtase, tanto mais, por a música continuar a ser isso mesmo – um acto de associação de sentimentos de prazer e alegria, de e para fruição artística da humanidade – e muito especialmente, quando interpretada pela melhor destes sítios – a Banda de todos nós – a Banda de Música de Felgueiras.
Há muitos anos, e depois desses, todos os anos a esta parte, mais que a “noitada” e a Romaria do São Pedro, mais que os “farnéis” ou os “lanches da praxe”, mais que os coloridos e as novas vertentes dos festejos actuais, mais que tudo, o que mais nos deliciava – a mim e ao meu irmão Clemente – eram os momentos de ouvir as bandas – algumas vezes a de Felgueiras e a da Lixa em disputa – mas o que mais nos seduzia e animava, eram os intervalos entre as mesmas, onde os “peritos” de Felgueiras, da Lixa ou das outras Bandas, debaixo das árvores que ainda lá existem, se juntavam para comentar os reportórios e a prestação de cada uma – confirmando-se sempre, que a nossa, em competição com qualquer outra que nos visitava, ganhava sempre os duelos – não me lembrando, jamais, de alguma vez ter ouvido o contrário. Claro que, quando se deram os casos de os duelos serem travados entres as Bandas de Felgueiras e da Lixa, o meu irmão Clemente nunca concordava comigo, mas como sempre, o nosso pai acabava por desempatar e como era costume com as mesmas palavras – “não, a nossa saiu-se muito melhor”!
José Quintela