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Artur Barros: Um “relutante” arquiteto da democracia portuguesa

Artur Filomeno Barros, ex-vereador da Câmara de Felgueiras e co-fundador da secção de Felgueiras do Partido Socialista (PS), afirma que nunca ambicionou por uma carreira política, mas a realidade é que se encontrou inesperadamente no cerne da transformação democrática de Portugal pouco depois golpe e subsequente revolução de 25 de Abril de 1974. A sua história de vida é um testemunho daqueles que, mesmo relutantes, desempenharam papéis cruciais em momentos decisivos da história recente do país.

Acredito que hoje me iria arrepender se não tivesse ido [para a Assembleia Constituinte]. De facto, sinto muita honra por ter sido um dos portugueses que assinaram a Constituição”

Natural de Rande, onde trabalhou na extinta Metalúrgica da Longra, na área da contabilidade, distinguiu-se como ativista sindical, dirigente associativo e pela sua atividade política, nomeadamente como co-fundador da secção de Felgueiras do Partido Socialista (PS) e como deputado à Assembleia Constituinte de 1975. Serviu, ainda, dois mandatos como vereador na Câmara Municipal, entre 1980/82 e 1983/85 e outros dois como deputado na Assembleia Municipal de Felgueiras.

DR Paulo Teixeira

“De certo modo é curioso: nunca quis ser político, nem seguir carreira política, mas acabei por ocupar cargos públicos, um pouco contra a minha vontade” afirma, em entrevista ao Semanário de Felgueiras, recordando que foi convidado a ingressar a candidatura socialista às primeiras eleições livres de Portugal, realizadas em 1975, depois do PS Porto ter rejeitado dois nomes propostos pela secção de Felgueiras.
Aquele primeiro sufrágio universal realizado após a queda da ditadura, em 1974, culminou na formação da Assembleia Constituinte, órgão deliberativo que teve a missão singular de redigir e ratificar a Constituição da República Portuguesa.



“Preferiam-me a mim, mas só concordei sob a condição de que ficasse entre os últimos da lista”, recorda, salientando que “aceitei, pensando que minha participação seria mínima.”
Contrariando as suas expectativas – “ainda tentei resistir” – o representante felgueirense acabou por ser chamado ao parlamento, onde contribuiu na fase de aprovação dos artigos daquele documento fundamental para a então jovem democracia portuguesa. Pelo seu serviço naquele importante período, Artur Barros foi reconhecido, em 2016, como deputado honorário da Assembleia da República.
“Acredito que hoje me iria arrepender se não tivesse ido [para a Assembleia Constituinte]. De facto, sinto muita honra por ter sido um dos portugueses que assinaram a Constituição. Não entendo que seja alguém importante, mas sei que fiz algo pelo meu país”, explica.

No “olho do furação” do sindicalismo

Este ilustre felgueirense distinguiu-se também pela sua atividade sindical, como secretário permanente da Comissão de Trabalhadores das extinta Metalúrgica da Longra e co-fundador do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins, onde serviu como membro do conselho geral.
O pós-25 de Abril foi igualmente marcado por um cenário tumultuoso do sindicalismo, especialmente na luta pela pluralidade sindical, onde Artur Barros se destacou como militante do Movimento Carta Aberta.
“Estava em questão o perigo da dominância por uma única central dirigida pelo Partido Comunista [a Intersindical, hoje CGTP-IN], com influência desmedida sobre a economia, capaz de convocar greves quando muito bem entendesse”, explica.
Recorda, sobretudo, os anos quentes de 1974 e 1975, quando as comissões de trabalhadores entravam em conflito e frequentemente se encontravam em situações críticas. “Uma vez, num restaurante em Lisboa, apercebi-me de que estava a ser seguido por membros de outra comissão ligada à UDP. Foi um momento assustador”, conta.
Nos anos seguintes, uma série de ruturas entre os sindicalistas afetos ao PS e PSD e a maioria comunista e de extrema-esquerda da renomeada Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical CGTP-IN dava lugar à nova central sindical, a União Geral de Trabalhadores (UGT).

Desiludido com a política, mas o dever bateu à porta

Já perto do término do mandato à Assembleia Constituinte (dissolvida em 2 de abril de 1976, na sequência da aprovação da Constituição), Artur Barros estava cansado de política, desiludido, sobretudo pelas movimentações e lutas por “um lugar na lista”.
“Foi a primeira de várias vezes que me desliguei. Naquela altura fiquei desiludido, desgostoso ao observar como as pessoas se movimentavam e intrigavam para ter um lugar nas listas às eleições de 1976. Decidi abandonar a política”, recorda.

Recorda Machado Matos como “um grande mestre” o homem da cordialidade e dos consensos “com quem tudo era feito por acordo”.


Contudo, em 1978 recebe a visita de um colega de trabalho e de Júlio Faria que lhe pediram “muito encarecidamente” que voltasse ao ativo, desta vez na política local, como candidato pelo PS na lista encabeçada por Machado Matos à Câmara de Felgueiras.
“Demorei meses a responder, mas acabei por aceitar e fui eleito vereador, primeiro ao mandato de 80/82 e novamente para de 83/85”, recorda, justificando a sua hesitação, pois não queria sacrificar a sua carreira profissional e família. “Mas a própria família acabou por me apoiar na decisão de avançar, o que me entusiasmou”, acrescenta.
Tal como o resto do interior do país, naquela altura o concelho padecia de graves carências e era urgente que a autarquia abordasse os problemas da rede elétrica, das vias de comunicação e do abastecimento de água, entre muitos outros.
“Havia freguesias que não tinham 100 metros de caminhos pavimentados, muitas onde os bombeiros não conseguiam chegar à maior parte das localidades”, recorda, sublinhando que “tivemos a oportunidade de atacar grande parte das carências da altura, algumas eram gritantes e felizmente começamos a avançar. Foi quando Felgueiras começou de facto, a progredir”.

Demorei meses a responder, mas acabei por aceitar e fui eleito vereador, primeiro ao mandato de 80/82 e novamente para de 83/85”, recorda


Salienta que, por altura do final do seu segundo mandato, a maioria das freguesias já tinham acessos pavimentados e que, contrário a receios manifestos na altura, a Câmara conseguiu avançar com a construção do sistema de abastecimento de água às cidades de Felgueiras e Lixa, a partir de uma captação no rio Ferro, em Jugueiros.
“Nem tudo ficou feito”, admite, nomeadamente a rede de saneamento. Sobre este tema, salienta que foi a infraestrutura que “nem sequer conseguimos pensar em iniciar, naquela altura”. “Tínhamos problemas com a habitação, sobretudo, e ordenamento urbanístico. Tanta era a carência de habitação e a pressa da população em avançar com a construção que não permitia resolver a situação”, recorda.
Sobre a sua experiência no poder local, recorda ainda Machado Matos como “um grande mestre”, o homem da cordialidade e dos consensos “com quem tudo era feito por acordo”.
“Talvez tenha havido uma exceção ou outra, mas não me lembro de haver votos contra de outro partido, porque ele era de tal maneira cordial e afável com toda a gente”. E acrescenta:
“Aliás, uma das coisas que prova isso é o facto de que vários vereadores da oposição acabaram por se candidatar a novos mandatos, pelas listas de Machado Matos. Passaram por lá pessoas fantásticas. Talvez, talvez um dia valha a pena escrever sobre estas coisas”.

A literatura é a grande paixão

Por este dias, Artur Barros vive em Vila Nova de Gaia, onde se dedica à pintura e a sua grande paixão, a literatura. “Toda a minha vida escrevi: muita poesia em jornais, em coletâneas e publico livros desde os anos 90”, explica.
Até à data tem quatro romances publicados e estão “na gaveta” outros dois, tal como dois livros de contos e um de contos em sonetos. Explica que o seu mais recente romance, “A Terra das Árvores com Pés de Gente”, reflete um modo de vida que lhe é muito particular.
“A minha infância, a minha adolescência e juventude foram vividas muito intensamente. O que está aqui é praticamente a minha infância e a minha juventude. Não estou no livro, não faço parte da história, mas as personagens são todas inspiradas em gente que conheci”, revela. Ainda na área das letras, foi diretor do “Jornal de Felgueiras” e do semanário “O Sovela”, entre outras contribuições para o jornalismo regional.
Há ainda outra faceta sua, ligado, desde cedo na sua vida, ao panorama cultural da vila da Longra que nasceu da visão de José Xavier, um “grande dinamizador cultural”. O teatro cedo entrou na vida de Artur Barros, com a participação do pai no grupo de teatro local, muito antigo, que atuava na Casa do Povo da Longra.
Aqui fundou o Centro Cultural e Recreativo da Longra, onde fez renascer o antigo grupo de teatro e criou um novo, infantil. Serviu ainda como presidente da Casa do Povo da Longra e foi membro fundador da Associação de Escritores, Jornalistas e Artistas do Vale do Sousa.

25 de Abril cumpriu-se politicamente mas regredimos socialmente
Em jeito de conclusão, e em resposta a uma pergunta colocada pelo Semanário de Felgueiras, Artur Barros afirma que acredita que “politicamente, o 25 de Abril está mais ou menos cumprido, mas não a nível social”. E acrescenta:
“A nível social regredimos, há muita coisa que podia ter avançado e não avançou, espero que os partidos políticos consigam líderes e políticas esclarecidas de forma a que a população venha realmente a beneficiar daquilo que o 25 de Abril lhes pode dar”.

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