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Sobre desonestidade intelectual

Em Portugal elegeram-se cinquenta deputados de um partido populista, com votos de mais de um milhão de pessoas.

O fenómeno que se vai espalhando por toda a Europa atingiu por cá níveis máximos, resta saber se ficará por aqui.

Não considero que esta seja uma questão política ou sobre políticas. Qualquer argumentação assente na crítica à incapacidade dos partidos ditos do poder é válida, mas não quando feita em defesa do populismo.

Obviamente que há razões mais do que suficientes para questionar os governos passados. A tão apregoada necessidade de mudança é legítima, claro que é, mas apenas quando sustentada em seriedade, cidadania e honestidade intelectual.

Dir-me-ão que não há fartura de nenhum destes nas sedes dos restantes partidos. E, realmente, assim será. No entanto, até o mais benevolente e persistente otimista pereceria na tentativa de encontrar uma réstia que seja dentro deste populismo.

Terão já reparado que não refiro o nome do partido em questão, nem dos seus representantes. Não por condescendência, mas para efeito de transversalidade geográfica e temporal, estando clara a circularidade da última.

Estes que vemos são apenas a iteração mais recente da besta. Besta esta que nasce de ambos os espetros políticos, porque, mais uma vez, não é uma questão de política. E, não sendo equiparável aos demais, merece um patamar próprio onde o possamos debater. Façamo-lo.

O desrespeito barato, a má educação, o insulto fácil, a incitação ao desdém pelo outro, e a agressão verbal, que incita a física, não devem ser celebradas e não têm lugar numa sociedade que almeje algo mais que a mediocridade.

Custa-me a glorificação desta forma de estar de estar na vida, este civismo invertido. Está certo que cada um que apoia o populismo, que vota, não se revê na sua totalidade. Este é argumento comum. Nem todos são racistas, xenófobos, homofóbicos. Essas não são as ideias do líder do partido, ele não pensa assim.

A primeira parece-me evidente. É na ambiguidade que está o engodo. O populista admite tudo sem se comprometer com nada. Um exemplo claro é o slogan “Vamos limpar Portugal”.

Nunca é demais relembrar o rasto que este tipo de narrativa deixou por aqui bem perto, num passado não tão longínquo. A frase vem seguida de um ponto de exclamação, mas, para ser fiel à sua essência, deveria seguir-se de um espaço em branco.

A ideia geral é a limpeza da corrupção, mas a ambiguidade permite ao observador preenchê-lo como lhe aprouver. Uns verão, de facto, a limpeza da corrupção, conceito que por si só levanta várias questões dada a integridade, até judicial, de alguns destes representantes, mas isso são outros quinhentos.

Voltando ao nosso raciocínio, os mais odiosos, esses quererão limpar Portugal de todos os que não se lhe assemelhem. Pelo meio estarão ciganos, negros, homossexuais, basta completar o espaço em branco.

É relativamente comum nestes comícios vermos saudações nazis. A maioria dos apoiantes obviamente não se revê neste comportamento, afastam-se e desvalorizam. Contudo, não podem negar que, para que tal esteja a acontecer ombro com ombro, algo de errado haverá com a mensagem e com o mensageiro.

Ambiguidade. Pela ambiguidade todos se juntam debaixo do mesmo telhado. E todos aplaudem. Uns de braço esticado a filmar um story para o Instagram, outros apenas de braço esticado.

Este populismo que nos tocou tem uma narrativa católica muito presente, chegando mesmo o líder a declarar escolha divina para a realização das suas funções, num exercício de desonestidade intelectual tão descarado que até custa acreditar.

A religião católica, deve-se sempre relembrar, tal como muitas outras, tem como principais axiomas o amor ao próximo e irmandade, todos filhos do mesmo Deus.

Havendo portugueses do bem, também os haverá do mal, e esses, não sendo filhos, dificilmente chegarão a enteados.

O rei vai flagrantemente nu. Uns estarão tão longe do cortejo que, olhando distraidamente, não lhe veem o cú. Outros, já meio despidos, celebram furiosamente a nudez finalmente permitida.

Ricardo Martins Ferreira

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