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O desinvestimento das últimas décadas deixa em risco profissionais e utentes

O desinvestimento das últimas décadas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) reflete-se, atualmente, num cenário de grandes dificuldades. A situação, considerada “incomportável e de risco para profissionais e utentes”, tem sido exposta pela comunicação social, a nível nacional e, Felgueiras, não foge à regra. O descontentamento entre profissionais de saúde face à deterioração na qualidade dos serviços prestados no SNS tem vindo a intensificar-se de forma notável.
Uma fonte interna, com conhecimento direto sobre a situação, que por razões de confidencialidade permanece anónima, revelou ao SF Jornal detalhes preocupantes.
A falta de recursos adequados são o espelho dessa escolha. As grandes preocupações a nível de equipamento debruçam-se, principalmente, pela falta de condições nas instalações. “Os carros de serviço estão em péssimo estado, comprometendo a segurança dos profissionais e por vezes fazendo com que estes fiquem apeados por avaria, comprometendo o serviço domiciliário”, referiu a fonte. Para além do estado do parque automóvel do SNS, também os edifícios onde os cuidados de saúde são prestados encontram-se deteriorados. “Os gabinetes são exíguos e não respeitam a legislação atual que define as dimensões mínimas dos espaços de consulta”. Além de reduzidos, “apresentam infiltrações que comprometem a segurança dos equipamentos e materiais que são destinados a tratar os doentes”.
Apesar dos esforços continuados por parte dos profissionais e órgãos de gestão intermédia em comunicar estas dificuldades, “as correções tardam e as dificuldades perpetuam-se”, expôs a fonte.
“Atualmente os profissionais do SNS não estão (nem podem estar) motivados”
Além do desinvestimento material, ao nível de recursos humanos a situação é ainda mais agravada.
Os profissionais de saúde, desde Felgueiras a nível nacional, estão a enfrentar uma época de crescente desmotivação causada pelas “condições de trabalho deficitárias e não verem refletido na sua remuneração os resultados alcançados”. Ou seja, muito trabalho, poucas condições e falta de reconhecimento financeiro pelos esforços.
Segundo informações da fonte, a desmotivação não só prejudica a qualidade dos serviços que são prestados aos utentes, como também, cada vez menos médicos e enfermeiros se predispõem a várias horas de trabalho extra, sendo esse trabalho não remunerado.
Na zona norte, a maior parte dos médicos que atuam nos cuidados de saúde primários exercem atividade em contexto de Unidades de Saúde Familiar. A qualidade dos serviços médicos nessas unidades é medida através de indicadores acessíveis ao público no Portal da Transparência e no Portal BI-CSP. Ao consultar os dados neste portal, das unidades de Felgueiras estão “muito bem posicionadas” a nível nacional. “Mas isso só acontece porque os médicos nessas unidades estão muito motivados, focados em prestar serviços de qualidade, e trabalham em contexto de equipa multiprofissional em que a atividade dos enfermeiros, secretários clínicos e médicos de cada unidade está planeada e organizada com foco no benefício do utente”, referiu a fonte ao SF. “Estes resultados só se alcançam com tempo de trabalho que vai muito para além das 40 horas de trabalho pelas quais os médicos são remunerados”.
E a qualidade não é alcançada dentro das 40 horas semanais pelas quais os médicos são remunerados. Além das consultas, médicos e enfermeiros dedicam muitas horas a atividades profissionais que, frequentemente, acontecem fora do horário de trabalho.
“Existem muitos médicos, enfermeiros e secretários clínicos que chegam a trabalhar 60 horas por semana (20 destas não remuneradas), por forma a conseguir fazer com que as suas unidades prestem cuidados de qualidade. Tudo isto se faz e tem feito nos últimos anos, e os profissionais não se têm queixado disso, porque o fazem motivados e com objetivos de melhoria de qualidade.”
No entanto, a situação atual não é, de todo, motivadora para quem exerce. As condições de trabalho insuficientes e uma significativa perda de poder de compra leva a que os profissionais de saúde não exerçam a profissão com o mesmo gosto.
“Há duas décadas atrás, um médico recebia mensalmente, pelas 35 horas por semana de trabalho, um valor correspondente a cerca de 6 ordenados mínimos. No momento atual, um médico nas mesmas condições, recebe mensalmente o correspondente a pouco mais de 2 ordenados mínimos por 40 horas de trabalho semanais”, refere a mesma fonte.
Além disso, médicos e enfermeiros ausentes por longos períodos não costumam ser substituídos, sobrecarregando os restantes profissionais da equipa.
Em Felgueiras, várias unidades de saúde aderiram às múltiplas greves, resultando na remarcação frequente de consultas e na escassez de serviços de apoio realizados por médicos, habitualmente, em horário extraordinário. Isso levou a uma falta de motivação entre os profissionais, afetando a qualidade da relação médico-enfermeiro / doente o que pode interferir com o sucesso terapêutico.
“Estes (profissionais SNS) estão desmotivados, e não estão dispostos a continuar a dar-se ao serviço como até agora faziam”, esta é a realidade nacional e local de Felgueiras.


Ana Carolina Dias

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