Os alunos regressaram às aulas na passada sexta-feira para um novo ano letivo. O novo ano traz os mesmos objetivos por parte dos professores e da escola. Querem garantir aos estudantes novas aprendizagens e novas oportunidades para crescerem. Mas traz consigo novas preocupações, com o debate da eficácia dos manuais digitais.
Os manuais digitais têm sido implementados nas escolas de Felgueiras, bem como em muitos outros pontos do país, por iniciativa do Governo, num projeto-piloto. A Escola Secundária de Felgueiras foi uma das escolas do concelho a aderir, na terceira fase do projeto, no passado ano letivo, com três turmas de oitavo ano.
Não foi apenas em Portugal que se começou a adotar esta metodologia. No entanto, começou a ser questionada a eficácia do método. Começaram a surgir questionamentos acerca da possibilidade de declínio das capacidades básicas dos estudantes e da perda da motricidade fina.
Gabriel Ferreira, docente de Geografia na Escola Secundária de Felgueiras e coordenador da implementação do projeto dos manuais digitais na escola, revela, em entrevista ao SF jornal, ter receios no que diz respeito à eficácia do método. “Se dissesse que as coisas estão a correr cem por cento bem, estaria a mentir.” Acrescenta que “já não é só uma questão política ou de escolha, é um efeito pedagógico que está a ter nas crianças lidarem com manuais digitais desde muito cedo”, afirma.
“Se dissesse que as coisas estão a correr cem por cento bem, estaria a mentir”, Gabriel Ferreira
Olinda Lima, encarregada de Educação, experienciou o projeto através do filho, estudante na Escola D. Manuel Faria e Sousa, e não vê vantagens nos manuais digitais além do alívio do peso da mochila do filho. “Numa fase em que se debate tanto que estar sempre em frente aos ecrãs é prejudicial, não faz sentido quererem impor mais um equipamento, durante tanto tempo, todos os dias”, completa.
Conceição Campos, professora de História na Escola Secundária de Felgueiras, revela-se hesitante quanto à preparação das escolas para a implementação da metodologia. Mesmo tendo sido iniciado no ano letivo passado, as escolas ainda não dispõem dos recursos necessários. “O que mais me perturbou ao longo do ano foi a falta de internet, que não era rápida o suficiente e os alunos perdiam o acesso. Além disso, os computadores são frágeis, estragam-se, e não havia uma semana em que todos os alunos tivessem o computador. E outra coisa que me apercebi é que as próprias editoras ainda não estão preparadas para os manuais digitais, há uma falta de interatividade”, disse.
Gabriel Ferreira completa que o Ministério da Educação pensou “vamos atirar para as escolas e vamos ver como corre, esperando um milagre”. Destaca a falta de planeamento, “o Ministério da Educação devia ter planeado no sentido de primeiro fornecer às escolas o que agora dizem que querem fazer num futuro próximo, que é garantir um 1GB de banda de rede à chegada à escola e depois as redes dentro da escola. E dentro da escola também desenvolver alguma obra no sentido de se melhorar esta rede interna das escolas”.
Completa ainda, “O planeamento foi assincrónico”. “Temos uma internet que em muitos casos é uma internet de mais de 10 anos, e com redes muito antigas, quando queremos digitalizar a escola”, afirma. Acrescenta que os manuais digitais, por serem muito gráficos sobrecarregam muito a rede, e quando se junta isto em três turmas, no ano passado, quatro turmas, este ano, em simultâneo, a internet não dá resposta e o planeamento da aula muitas vezes não consegue ser cumprido.
Conceição Campos entende que o gosto pela leitura vai ser perdido com a digitalização, além da motricidade fina. Gabriel Ferreira completa “Ao nível do ensino secundário, que não se levantam as mesmas preocupações pedagógicas que um aluno do primeiro ciclo, a nível da motricidade fina, é importante o estímulo das competências digitais, mas se o projeto tiver mais entropias do que vantagens, ninguém gosta, ninguém adere”.
Olinda Lima e a família tiveram de se adaptar a esta nova metodologia. “Era contra os manuais digitais, mas não tive outra opção. O projeto foi destinado à turma dele, e não havia nada que pudesse fazer”. A encarregada de educação teve de reforçar o plano de internet que tinha em casa para dar melhores condições de estudo ao filho.
“Hoje em dia, os miúdos encontram muitos outros interesses nos computadores”, Conceição Campos
Os pais deixam de conseguir acompanhar os alunos da mesma forma. Olinda Lima optou por inscrever o filho num Centro de Estudos. “Cá em casa já não conseguimos acompanhar o sistema, ele agora tem de ser muito mais autónomo”.
“O aluno está um bocadinho à sua sorte, lá em casa, porque os pais não conseguem ajudar, não conseguem sequer entender, nunca aprenderam, nunca tiveram a oportunidade de apreensão das competências digitais”, afirma Gabriel Ferreira. O docente apresenta, no entanto, uma solução da escola para combater este problema. “Devo aqui salientar que a escola está a fornecer cursos, o ano passado já forneceu a capacitação digital também para pais. Agora, é evidente que os pais muitas vezes têm uma vida complicada do ponto de vista dos horários e acaba por se tornar difícil aderir a estas iniciativas”, completa.
A distração foi outro tópico muito enunciado pelos professores. Conceição Campos declara não conseguir controlar o que os alunos fazem nos computadores e que a distração acaba por prevalecer nas aulas, “hoje em dia, os miúdos encontram muitos outros interesses nos computadores”. O coordenador do projeto completa dizendo que “num ambiente empresarial, por exemplo, há mecanismos informáticos e dispositivos que conseguem controlar bem a rede interna, mas isso não se passa numa escola”.
Gabriel Ferreira também nota uma maior propensão para a distração e critica o facto de as turmas serem muito grandes. “Quem disser que uma turma de 26 alunos tem a mesma qualidade de aprendizagem que uma turma de 15, não é professor de certeza. É muito mais fácil gerir uma turma mais pequena, mais fácil aferir se o aluno nos está a ouvir, se está a fazer o trabalho que foi recomendado, ou se está a brincar ou jogar”, declara.
Segundo o docente, “o projeto teria que ter o apoio por parte do Ministério da Educação, eu sei que é uma utopia, para que as turmas tivessem menos alunos”.
Os estudantes também se aperceberam das desvantagens do método, e revelaram preferência pelos manuais tradicionais. “Aparentemente, os alunos reagem bem, mas, nos inquéritos, quando questionamos se se estão a dar bem ou não, se gostam dos manuais digitais, damos conta de que metade prefere os manuais tradicionais”, diz o coordenador do projeto na escola secundária de Felgueiras.
Os professores enumeram, no entanto, várias vantagens, sendo a principal a literacia digital que os alunos vão adquirindo. “A grande mais-valia do projeto está aí, em facilitar-lhes a vida no sentido de eles aprenderem essas competências desde logo”, afirma Gabriel Ferreira. Conceição Campos completa dizendo que, com os manuais digitais, as aulas se tornam mais motivadoras. “As editoras fornecem vários conteúdos como áudios, vídeos”, que tornam as aulas mais dinâmicas.
Além disso, segundo a professora de História, os estudantes conseguem ter um estudo autónomo e consegue explorar o próprio manual. Também resolve as faltas de material, uma vez que “o aluno tem no computador os manuais todos, só precisa de trazer o computador”. O feedback é também mais instantâneo, “percebemos quais tópicos os alunos ainda não compreenderam que devemos insistir e explicar melhor”, e também é mais rápido o feedback aos alunos.
Conceição Campos conclui dizendo que a tendência é para o método avançar, e que só o tempo nos irá permitir se o projeto deve ser alargado a mais turmas, se haverá mais pontos positivos ou negativos.
Beatriz Cunha