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Quando a culpa corrói

Pouco tempo antes do fim – Fevereiro de 1992 – numa firma do sector do calçado que durante dezenas de anos foi muito importante para a economia local e para a empregabilidade no concelho, em data que agora não importa precisar, um jovem operário que se sentia mal pago, inscreveu no interior de uma casa de banho um nome muito feio sobre o seu patrão, criando manifesto alarme social junto da administração e do seu principal visado, mas, também, junto dos seus colegas de trabalho.

Decorridos alguns dias sobre esse registo, o mesmo patrão, que não era nem nunca foi nada daquilo que se escreveu e que pelo contrário era até uma personalidade muito respeitada, superiormente educado  e super-respeitador dos seus deveres cívicos, laborais e contratuais, marcou uma reunião geral dos colaboradores para falar sobre tal assunto, afirmando e garantindo que já sabia quem foi o autor daquele “trabalho“, e que, se encontrava na disposição de esquecer imediatamente o episódio e a ofensa, se o “presumido” autor se dispusesse a ir ao seu encontro para confirmar a autoria do mesmo e apresentar um pedido  de desculpa, prometendo e  repetindo que por esse desvario  não adviriam quaisquer represálias para o declarado autor.

Num dos dias seguintes, o promitente autor, arrependido e já confrontado com o facto de que a culpa envergonha e corrói, acreditando desde a primeira hora que o seu patrão – que na sociedade e na empresa era um “homem de palavra“, não iria faltar à palavra dada, apresentou-se no escritório da firma para confessar a autoria do tresloucado acto, tendo relatado com abundância e singular descrição todos os pormenores relativos às motivações que deram origem a tão ignóbil inscrição.

Terminada a “confissão“, o trabalhador voltou para o seu posto de trabalho, confiando ainda mais na palavra antes dada, mas jamais confirmada, nem sequer aquando do episódio em que ambos se encontraram para registo da referida confissão.

Passados uns dias, o autor recebe em casa um processo disciplinar, cuja nota de culpa, enunciava desde logo o propósito de “despedimento com justa causa“.

Apesar de avisado para não confirmar a autoria do tresloucado acto, o trabalhador fê-lo, sobretudo por continuar a acreditar que não iria sofrer represálias e que o processo disciplinar constituía apenas um pró-forma para registo futuro, confirmando na resposta à mesma Nota de Culpa todas as acusações que lhe foram imputadas, aduzindo e reiterando ainda palavras de arrependimento e um novo de pedido de desculpa, já antes apresentados.

Engano seu! Passados mais alguns dias, recebe nova carta da empresa, desta feita, para lhe comunicar o seu despedimento imediato com justa causa!

Só então, o trabalhador acordou, percebendo, finalmente, que lhe montaram uma cilada, e que ele, apesar da gravidade do acto consumado, em nenhuma circunstância deveria tê-lo confessado e muito menos confirmado.

Durante quarenta anos, elaborei várias centenas de respostas a Notas de Culpa, algumas delas com igual ou até maior gravidade do que essa, tendo conseguido, pelo acto da ausência de confissão dos alegados factos, “salvar” muitos trabalhadores de um despedimento mais que certo, na medida em que em última instância compete sempre à acusação produzir o ónus da prova.

Se este trabalhador, à época, tivesse aceitado seguir este caminho por certo não teria sido despedido, e não obstante a gravidade do acto cometido.

Contudo, o trabalhador, tendo perdido o emprego, pouco perdeu, porque logo arranjou um novo, com melhores condições de trabalho e de salário.

Por conseguinte, sendo altamente reprovável o acto por si cometido, também o foi aquele que se seguiu por parte da sua entidade patronal, ao não cumprir a “palavra dada” perante a generalidade dos seus trabalhadores.

E ao não fazê-lo, acabou por cometer um acto de igual gravidade, colocando-se, a final., ao mesmo nível do acto cometido pelo trabalhador.

Um acto igualmente detestável, e, aliás, repetido alguns anos após, quando em Fevereiro de 1992, sem quaisquer escrúpulos, decidiu encerrar a empresa, despedindo mais de uma centena de trabalhadores, sem jamais lhes ter proporcionado quaisquer pagamentos a título de compensação pela cessação dos seus contratos de trabalho.

José Quintela

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