Escrevia, noutro dia, Henrique Raposo, no jornal Expresso, embora num contexto diferente daquele que me leva a escrever este texto, sobre a “ética do capitalismo”. Dizia que, sem uma adesão à comunidade, “o capitalismo perde de facto o rosto e deixa de ser uma força positiva, passa a ser uma força que flutua acima da realidade, um fluxo maquinal que só quer dinheiro e que não percebe a verdadeira missão capitalista”.
Lembrei-me destas palavras a propósito das notícias que vêm sendo publicadas sobre os resultados das maiores empresas nacionais no ano de 2022.
Por exemplo, a Galp fechou o ano de 2022 com um “lucro histórico de 881 milhões de euros”. Também a Caixa Geral de Depósitos, no ano de 2022, teve um lucro de 843 milhões de euros, ficando muito perto do máximo histórico de 856 milhões, registado em 2007. O mesmo cenário de notáveis lucros registou-se na maioria dos Bancos Portugueses e até a malfadada TAP regressou aos lucros, cinco anos depois.
Olhar para estes números, no atual contexto em que vivemos, de maior aperto financeiro dos portugueses, faz-me pensar que há aqui uma qualquer dissonância difícil de compreender. De facto, perceber que as maiores empresas nacionais apresentam os seus melhores resultados de sempre – e este é que é o ponto que quero ressaltar, de sempre –, precisamente num momento de grande dificuldade para os portugueses, parece não fazer sentido.
Não me refiro, evidentemente, à explicação técnica que estes resultados possam ter, nem me quero deter no caso concreto da empresa A ou B. O que não se compreende é que, pese embora, de facto, as empresas sejam criadas para dar lucro, estas consigam ser alheias à realidade que as rodeia. E a verdade é que, perante estes números, ficamos não só com a sensação de que o esforço desta crise está a ser suportado, na sua grande maioria, por cada um de nós, mas também que esse esforço tem sido redobrado.
Obviamente que não estou a dizer que, pelo facto de estarmos a passar por uma crise, as empresas também deviam estar. Não é isso. Mas vermos estes resultados, quando estamos a passar por uma situação económica difícil, pode indiciar que algumas empresas estejam a querer ganhar mais do que o “habitual”, fragilizando ainda mais a situação da maioria das pessoas.
Não sei se assim o é, mas é, pelo menos, essa a ideia com que fico. E isso seria ser-se o espelho do “fluxo maquinal que só quer dinheiro”.
Manuel Maria Machado