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A cruz pesada

Estávamos no ano de 1975 e Abril era o mês.

Subitamente deparei-me com um rapaz negro em fuga, correndo muito assustado em sentido oposto à porta de uma igreja local, algures em Luanda…

Sem olhar para trás, não deixava de gritar apavorado: “eu não querer padre, eu não gostar de padre”!…

Fazendo, antes de mais, uma declaração de interesses, apenas para dizer que sou Agnóstico cientificamente não está provado que Deus existe –, e que por isso mesmo nada me move a favor ou contra a Igreja Católica, a verdade é que não consegui deixar de me lembrar de um caso muito antigo para, a talhe de foice, e por acção de alguns padres, poder abordar o efeito devastador do sismo que se abateu sobre a Igreja Católica Portuguesa.

E não contendo este espaço, espaço suficiente para se poder falar com mais precisão e maior abundância sobre este fenómeno, é importante pelo menos desenvolver aqui duas ou três notas para localmente sublinhar que este jornal, enquanto veículo de informação e de formação, não pode ficar indiferente ao mesmo, que está atento e que também tem obrigação de em diferentes formatos se pronunciar sobre o assunto.

Assim, não sendo este um tema agradável para ninguém, nem mesmo para os não praticantes, para quem a ligação ao catolicismo, que se baseia no baptismo, sem decisão livre, realizado na infância, saber que há sacerdotes que praticam violência sexual com menores é algo que incomoda, que fere e que perturba provocando-nos sentimentos de dor, de repulsa e de indignação. Por conseguinte, e desde logo, para mim também, e ademais enquanto modesto escriba de crónicas sociais, exactamente por se tratar de um tema que impressiona e relativamente ao qual a comunicação social ter dado grande relevo.

Acreditando muitos de nós, que grande parte das situações continua oculta, que a Igreja escondeu e pode estar a esconder muito mais do que já se conhece e que pede perdão sem mostrar arrependimento, saibamos atalhar, que sendo prosseguido este caminho de trocar a mentira pela verdade em que a igreja estancou, dificilmente a mesma logrará chegar tão cedo a bom porto…

E sendo também aceitável que dentro da Igreja não haveria a verdadeira dimensão do problema, a verdade é que, somente agora, setenta anos depois deste início de escrutínio aos abusos sexuais na igreja, é que a mesma começa a sentir as consequências de um vulcão antes adormecido, cuja intensidade já conhecida poderá estar muito longe da máxima que se venha a registar, e tudo isto, tão só porque desde há dezenas de anos a esta parte, alguns Bispos, numa conduta clara de encobrimento, preferiram sempre proteger este ou aquele padre em detrimento de muitas crianças.

Contudo, atendendo à gravidade do fenómeno que só agora, e em pequena escala, irá correr os seus devidos termos no Direito Canónico e no Direito Penal Português, é tão só nas vítimas que temos de colocar todas as nossas atenções, rejeitando por todas as formas, para já e para sempre, quaisquer actos ou sinais de anticlericalismo ou ódio para com a Igreja, por também ela, ser vítima de si mesma.

Todavia, como sustenta o Relatório da Comissão Independente, é preciso acabar com esta peste de pedofilia nesta “igreja pouco inclusiva e pouco acolhedora”, não obstante todos sabermos que a maior parte dos abusos sexuais, não ocorrerem na igreja, mas na família.

E porque, se actualmente a Igreja está a viver numa grande agitação e são cada vez mais os que acreditam que serão precisos muitos anos para recuperar dos efeitos deste violento “murro no estômago”, a verdade é que se ela não for ao encontro dos problemas da sociedade acabará por ver as igrejas crescentemente vazias.

No entretanto e no imediato, observando muitos de nós que esta matéria, pelo menos até agora, causou maior indignação o palco faustoso e dispendioso da Jornada Mundial da Juventude do que os crimes praticados ao longo dos anos por inúmeros padres contra vítimas inocentes, parece que não há volta a dar e que esta cruz muito pesada para os católicos e não católicos, ainda não deu quaisquer sinais de pesar com igual volume e com igual força em cima dos Bispos que tais crimes conheciam, silenciaram e que para todo o sempre pretendiam esconder.

José Quintela

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