Estivemos à conversa com o Provedor da Misericórdia de Nossa Senhora do Rosário de Unhão, Amadeu Faria, que nos falou acerca da história e valências da instituição. Apaixonado pela ourivesaria e relojoaria, deu-nos a conhecer um lado da sua vida que não conhecíamos
SF: Sabemos que a maioria das respostas sociais prestadas em Portugal dependem das Misericórdias e das Instituições das IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social). Gostaria de nos fazer uma breve descrição do enquadramento da Santa Casa, a sua estrutura e orgânica?
AF – A Instituição da Santa Casa da Misericórdia do Unhão tem neste momento o compromisso com a educação, a cultura e o ensino em particular. Eu estou lá há 16 anos, comecei por estar um ano como interino e contrariamente àquilo que pensei, acabei por ser eleito Provedor. Em termos de orgânica tínhamos a presença das Freiras Vicentinas, que ainda estiveram comigo cerca de 7 anos, mas depois saíram. Nessa altura, um amigo da Instituição falou comigo e disse que estava disponível para junto do Sr. Bispo da Diocese do Porto trazer novamente Freiras de comunidade. Na verdade, tive uma luta de 2 ou 3 anos para que elas não fossem embora, porque me habituei a conviver com elas e estavam sempre presentes e disponíveis a qualquer hora. Decidi apostar em gente especializada dentro da área da educação e cultura para a vaga de Diretora, principalmente. Assim foi e fomos muito bem-sucedidos. Temos uma equipa extraordinária, uma diretora disponível, competente e que é a “mola real daquela engrenagem”. Hoje estamos com uma capacidade completamente ocupada com 185 alunos (infantário, pré-escolar e 1º ciclo).
SF: Mas esta resposta é suficiente?
AF – Atualmente não temos espaço para mais em termos de espaços físicos do edifício.
SF – O edifício é propriedade da Misericórdia? Está em boas condições?
AF – Não! Precisa de uma grande intervenção. Temos, inclusive, para o efeito, um projeto em andamento bastante ambicioso e até atrevido e ousado. Temos um protocolo com o Ministério da Educação e a Segurança Social e, como tal, somos muitas vezes visitados pelos técnicos para análise das instalações que exigem que se cumpram determinados critérios. O edifício é muito antigo, a capacidade das salas está muito limitada e temos de ajustar as coisas dentro do possível. O projeto está a ser trabalhado há cerca de 3 anos, mas tem diversas fases. Entendemos que fazia sentido a opinião das pessoas que nos visitam, com quem nós trabalhamos, ou seja, ter mais uma valência, mais uma resposta. Anexamos o projeto para esse efeito ao projeto global do edifício, mas como o outro seria comparticipado e este nosso não o é, não há a colaboração de qualquer instituição e então tivemos de fazer uma pausa.
Entretanto, há dias fomos informados que como o edifício tem uma história riquíssima e secular, presume-se que possa existir no subsolo algo que testemunhe a sua história e que possa ser salvaguardado. Neste momento estamos em conversações com o Município para nos arranjar alguém competente e qualificado, um arqueólogo, que nos ajude a perceber se de facto há algum registo que deva ser conservado.
SF – Portanto, são novos projetos, mas sempre nas valências da educação para poder aumentar a resposta.
AF – Para já, sim. Houve quem nos desse opinião que ficava muito mais barato fazer um novo edifício paralelo ao existente, mas acho que isso seria tirar aquilo que é a sua história fabulosa. O edifício era propriedade há algumas centenas de anos de uma família, “os Sousas”, e mais tarde dos Condes do Unhão. Posteriormente foi um banco, chegou a ser a Câmara Municipal, sede do concelho com 13/14 freguesias e depois sofreu uma reforma administrativa. Mais tarde foi ainda um hospital onde, inclusive, cheguei a visitar um familiar meu. Foi nessa altura que acharam que seria importante apostarem na educação e, com a presença das Freiras Vicentinas, optaram por fazer uma escola só para meninas. Com a evolução dos tempos, foi alargado a todos.
Podemos pensar o futuro, mas ele é muito incerto. Ninguém nos garante que uma determinada aposta que façamos seja bem-sucedida. Chegamos a ter o apoio domiciliário no tempo das Irmãs, também tivemos um centro de dia, mas tudo isso tem de ser muito calculado. Eu sou o responsável por aquele sítio, sou muito calculista, não gosto de perder e é um risco e uma aventura tomar certo tipo de decisões. Tenho de dar satisfações à comunidade, aquilo não é nosso.
SF – Como foram os primeiros tempos em que se tornou responsável de uma casa com tanta história e tão importante?
AF – O relacionamento com os responsáveis das juntas de freguesia não foi o melhor. Quando assumi a responsabilidade de Provedor, fui ter com eles para ver uma cooperação entre nós houve uma espécie de conflito porque a Misericórdia tinha, por exemplo no cemitério do Unhão, uns determinados interesses no que respeita a sepulturas, mas que eram propriedade deles (da Misericórdia). Ficou um determinado espaço no cemitério pertencente à Misericórdia. Com o nosso compromisso de ir ao encontro das necessidades da população local e dos mais carenciados, eles eram cuidados e tratados até à hora da morte e então tínhamos a responsabilidade, também, de os sepultar.
Hoje em dia existe amizade e cooperação entre a instituição e o Município ou as Juntas de Freguesia.
SF – Têm comunicado várias atividades extracurriculares na instituição. As crianças aderem?
AF – Sim, muito. Na instituição pratica-se dança, música, xadrez, karaté, instrumentos musicais desde o piano à viola. As crianças e jovens adoram.
SF – A sustentabilidade é um tema muito abordado. Conseguem fazer face a todas as despesas da estrutura?
AF – Temos conseguido porque temos a comparticipação dos nossos parceiros e temos acordos com a Segurança Social e Ministério da Educação. A contribuição da mensalidade dos alunos também ajuda. De há uns tempos para cá também notamos muita solidariedade entre as várias pessoas da equipa.
SF – Qual é o quadro de pessoal da instituição?
AF – São cerca de 30 colaboradores efetivos e alguns que prestam serviços, por exemplo, a terapeuta da fala, os professores da área do desporto e de outras atividades extracurriculares.
SF – Os Irmãos da Misericórdia são muitos? São ativos?
AF – Não! Talvez menos de duas dezenas neste momento. São apenas os necessários para reunir o suporte legal para a instituição poder funcionar. Temos de nos apaixonar e assumir o compromisso daquilo que fazemos. De outra forma não funciona…
SF – E fazer em prol dos outros?
AF – Também, claro! A Juventude Mariana Vicentina reúne nas nossas instalações sempre que tem necessidade e nós fazemos de tudo para criar o máximo de condições possíveis para o fazerem. Queremos que as pessoas sintam que a instituição não é minha, é da comunidade e é uma mais-valia para a freguesia do Unhão.
SF – Tem sentido que o seu papel enquanto Provedor foi nesse sentido de esclarecer estes assuntos?
AF – Quis sensibilizar as pessoas de que estamos no lugar da solução e nunca no lugar do problema. De vez em quando temos de limar arestas, porque as coisas não correm sempre bem. Mas eu consigo sempre compreender e estar no lugar do outro e trato-os sempre nos moldes que gosto que me tratem a mim, com rigor, verdade, disciplina, educação e ética.
SF – Num pós-pandemia e o agravamento das situações económicas e sociais, há novos desafios? Conseguem perceber que realmente as pessoas sentem mais dificuldades?
AF – Acontecem casos esporádicos, já no tempo das Irmãs acontecia, de algumas pessoas que, por alguma coisa que não correu de feição, mesmo não tendo ninguém a frequentar a instituição, abordavam as Irmãs em procura de ajuda. Muitas vezes psicológica. Mantemos essa caridade, mas sem nenhum tipo de publicidades.
SF – Relativamente aos novos projetos ou planos futuros, algo mais que queira acrescentar?
AF – Gostava apenas de dizer que o nosso compromisso continua em prol da educação. No próximo ano já temos as turmas praticamente completas com o máximo da capacidade, maioritariamente dos concelhos de Felgueiras e Lousada. Se acontecer, como já aconteceu, algum caso pontual de algum aluno que já não tenha vaga, eu assumo a responsabilidade com as consequências que daí possam advir. Não deixo ninguém lá fora.
Se me permitir, gostava apenas de acrescentar que há cerca de 6 anos foi criada a Associação de Pais pelo Sr. José Carlos Costa, pessoa muito empenhada e dedicada e que foi o motor desta iniciativa. Os pais foram muito recetivos, cooperaram imenso e tentaram sempre fazer atividades para angariar fundos em favor da instituição.
Quero também deixar, para terminar, uma palavra de agradecimento à equipa, que é extraordinária.
SF – Desejamos que o seu trabalho seja sempre bem sucedido, pois o sucesso do Provedor será sempre uma mais valia para as crianças e jovens da instituição.
Elsa Ferreira