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“Mulheres na Ciência” – Entrevista a Catarina Alves de Oliveira, Astrónoma, no Dia Internacional da Mulher

Esta entrevista foi realizada por Ana Ferreira, Catarina Faria, Vitória Sampaio, Francisca Soares e Inês Pinto, alunas da Escola Básica e Secundária de Idães (12ºA), no âmbito da disciplina de Química. Teve como objetivo a publicação e divulgação, no dia internacional da mulher, de algo à nossa escolha nas redes sociais e nos media, como forma de homenagem ao contributo das mulheres para a ciência. Como tal decidimos entrevistar duas cientistas: Ana João Rodrigues, neurocientista na Universidade do MInho que adquiriu uma bolsa multimilionária e Catarina Alves de Oliveira, astrónoma na Agência Espacial Europeia que contribuiu para o lançamento do telescópio espacial James Webb.

ENTREVISTA

Catarina Alves de Oliveira, astrónoma na Agência Espacial Europeia (ESA), contribuiu para o lançamento do telescópio espacial James Webb, deixando assim a sua marca na ciência.

Estou a trabalhar numa missão, num telescópio chamado Ariel, que vai ser lançado em 2029 e que se vai dedicar só á observação de planetas extrassolares e ao estudo das suas atmosferas”

Catarina Alves de Oliveira (foto: Público)

Relativamente ao seu percurso e à sua formação, gostaríamos de saber como foi o Ensino Secundário, se sempre teve certeza daquilo que gostaria de ingressar no ensino superior, ou seja, se esta paixão pelo desconhecido esteve sempre presente ou se foi algo momentâneo. 

Eu estudei na Escola Secundária de Monserrate, em Viana Do Castelo. Sou do norte de Portugal, originária de Afife, que é uma pequena aldeia ao pé de Viana De Castelo. Quando fui para o Ensino Secundário decidi ir para o agrupamento de Artes, que na altura tinha este nome, e escolhi as disciplinas porque havia muita flexibilidade nas disciplinas opcionais, nessa altura continuei a estudar a física e a matemática, mas também geometria, design e desenho técnico porque estava muito dividida entre a engenharia e a ciência. Em paralelo também estava a fazer o conservatório de música e até ao fim do secundário estive sempre em dúvida se gostaria de seguir uma carreira mais na área da música, matemática, da física ou da engenharia.

Foi difícil e demorado o percurso até atingir o cargo atual e a calibração do telescópio James Webb? Fale-nos um pouco dessa conquista e dos maiores desafios enfrentados.

Eu não posso voltar ao 12º ano e dizer que o meu objetivo era trabalhar três telescópios, a carreira e o percurso vão se fazendo pouco a pouco. Essa é a minha experiência, embora para mim fosse um sonho trabalhar na ESA naquela altura, e tenha conseguido, a carreira foi sendo construída à maneira que eu ia atingindo uma etapa. Abriam- se algumas portas, outras fechavam-se. Depois do curso superior decidi fazer um mestrado, de seguida decidi fazer um doutoramento e claro que são percursos com dificuldades porque a investigação é um contínuo trabalhar em problemas que não têm solução o que traz muitos desafios na parte de ter que mudar de país, de instituto e de cidade, mas que se vão fazendo pouco a pouco.

A sua profissão supera as suas expectativas, ou seja, é aquilo que estava à espera?

Eu sempre gostei muito de viajar e sempre tive uma grande curiosidade. Comecei a trabalhar fora de Portugal já durante a universidade com o programa Erasmus, que foi o primeiro contacto que tive fora do país, e confesso que foi um bocado difícil. Fiz o Erasmus na Irlanda, e quando cheguei pensei “Bem o meu Inglês afinal não é tão bom como eu pensava… Como é que vou fazer os exames?”. Passado duas semanas isso já não era problema.  Há sempre aquelas semanas de adaptação que são mais difíceis, mas quando começamos a conhecer outras pessoas e a criar uma rotina, já nos conseguimos adaptar melhor.

A sua profissão supera as suas expectativas, ou seja, é aquilo que estava à espera?

Superou sim, as minhas expectativas. Gosto muito do meu trabalho, e quando comecei a trabalhar para este instrumento do telescópio espacial James Webb estava muito contente com a oportunidade, mas ao longo destes últimos dez anos, que é o tempo que trabalho nesta missão, tive oportunidade de viver nos Estados Unidos e trabalhar não só dentro da Agência Espacial Europeia, mas também com a NASA, com a Agência Espacial do Canadá, e de estar em sítios de teste da NASA que são históricos, por exemplo onde se testou o módulo de aterragem na lua nos anos 60. Então, superou as minhas expectativas e continua a superar. O lançamento do telescópio que decorreu em dezembro foi um momento fantástico e único.

O que mais a fascina na sua profissão?

Há várias áreas. Embora seja cientista, neste momento na ESA, trabalho mais na área da calibração ou na parte da organização do trabalho de missões, embora continue a fazer alguma investigação. Mas, o que mais gosto é de saber que estou a contribuir para uma missão que vai proporcionar a cientistas de todo o mundo fazerem descobertas em praticamente todos os campos da astronomia. Com a minha experiência na matemática ou na física poderia estar a trabalhar noutras áreas, mas o facto de pensar que estou a ajudar a comunidade científica no dia-a-dia é muito motivante.

Como é o seu dia-a-dia na Agência Espacial Europeia?

Eu trabalho muito com equipas sendo, portanto, um trabalho fundamentalmente de equipa. Por exemplo, o trabalho que eu faço no telescópio James Webb, que neste momento já se encontra no espaço, numa fase em que esta a ser feita a sua calibração, então o meu dia-a-dia é ver quais foram os dados que recolhemos do telescópio e fazer a parte do meu trabalho em comunicação com toda a equipa, sendo este um trabalho mais técnico. Trabalho também em futuras missões, onde estamos ainda a planear e a desenhar como vão ser as operações científicas dessas missões, que só vão ser lançadas talvez daqui a 10 anos. Então aí o trabalho é muito com a comunidade científica. Desta forma o meu dia-a-dia divide-se entre estas duas tarefas.

Durante esse percurso sentiu algum preconceito face ao facto de ser mulher no mundo da ciência, previamente dominado pelos homens?

Não é uma questão fácil de responder. Pessoalmente, nas instituições em que estive no curso de Astronomia na Universidade do Porto, no observatório Europeu do Sul e agora na ESA, há de facto, uma grande consciencialização para o facto de as mulheres estarem em minoria na ciência e um esforço muito grande para tentar ter um ambiente de trabalho que seja justo para todos. Pessoalmente eu sinto que as instituições em que estive foram de facto muito boas nesse sentido. Isso não quer dizer que no dia-a-dia as injustiças talvez que soframos, ou situações como mulheres, não se acabem por refletir nas interações.

Catarina Alves de Oliveira

Consegue-nos dar alguns exemplos dessas injustiças?

Os exemplos acabam por ser os mesmos da sociedade. Às vezes, e talvez não sempre comigo, mas com outras mulheres, quando por exemplo, estamos numa reunião ou numa conferência, é muitas vezes dada a palavra primeiro aos homens. São essas pequenas coisas, que fazem uma grande diferença. Então o que eu tento fazer, se for eu a organizar uma reunião, é arranjar forma a que todos possam colaborar de uma maneira justa e igual. Depois também na organização de conferências, palestras, de artigos… é ter sempre o cuidado de ter um leque de convidados que seja diverso, que haja uma representação de toda a gente para também no fundo sermos modelos para a geração mais jovem para que vejam que de facto as coisas estão a mudar e estão a melhorar.

Ao longo das nossas pesquisas tivemos o conhecimento de que esteve nos Estados Unidos e do trabalho desenvolvido na NASA, como é que foi para si viver nesse mundo e a possibilidade de contribuir para uma coisa tão fascinante como as galáxias e estrelas.

Parte da minha contribuição para o telescópio James Webb foi ir representar a ESA, neste caso a sua contribuição nos EUA, foi nesse sentido que trabalhei com as equipas da NASA, a testar o nosso instrumento da Europa enquanto instrumento que ia sendo montado no telescópio e também passar o conhecimento para o centro de operações já, que neste momento, estou quase a terminar a minha participação neste projeto. A experiência foi ótima e fascinante. É o encontrar de maneiras diferentes de trabalhar, porque nos Estados Unidos por várias razões, os processos e a maneira como trabalham é diferente da Europa. Mas é muito bom ter aquele sentimento de que estamos todos a trabalhar para resolver um problema e num telescópio tão complicado como este. É a primeira vez que estamos a fazer várias atividades que nunca foram feitas, então essa experiência de ter pessoas que vêm de diferentes países e de diferentes organizações, juntarem-se e resolverem um problema, é incrível. Eu gostei muito, foi uma experiência mesmo muito boa.

O que sente por saber que ocupa uma posição na ciência enquanto mulher? Sente que o seu trabalho é valorizado e devidamente recompensado?

No meu caso sim, essa é a minha experiência na ESA. As condições de trabalho são boas, quer para mim quer para a minha família, tenho filhos também e então as condições de trabalho que me dão, quer do horário, da remuneração e da posição dentro da organização são muito boas. Sei que essa não é a posição de muitas mulheres na ciência, mas no meu caso é, e sinto-me com sorte por isso. O facto de muitas instituições em Portugal terem ficado tão entusiasmadas com o James Webb e eu ter sido convidada para entrevistas, na televisão, na rádio mostrou que, pelo menos, em Portugal as pessoas reconhecem muito bem o papel da mulher na ciência e estão prontos para seguir os passos de mulheres que estão a trabalhar em projetos interessantes.

Em relação ao futuro, alguma expectativa, algum projeto em mente?

Dentro da ESA já estou a trabalhar em missões futuras. Estou a trabalhar numa missão, num telescópio chamado Ariel, que vai ser lançado em 2029 e que se vai dedicar só á observação de planetas extrassolares e ao estudo das suas atmosferas, então é uma missão também fascinante. Agora estou um bocado entre projetos, a terminar um e a começar o outro, o que é complicado e dá bastante trabalho, mas já estou muito entusiasmada com esse projeto e com essa nova missão.

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