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InícioSociedade"Quem não sabe, não salva. Por isso é que apostei no conhecimento"

“Quem não sabe, não salva. Por isso é que apostei no conhecimento”

Vítor Hugo Meireles é Comandante
dos Bombeiros da
Lixa. A sua ligação à Corporação é quase umbilical. Cresceu
ao lado do antigo Quartel e o pai
era bombeiro. Passou a sua infância
a conviver com muitos daqueles
que hoje comanda. Apostou na
aprendizagem e hoje, aos 40 anos,
é formador no INEM. Sob a sua alçada
está um corpo ativo com
mais de 120 operacionais entre os
quais muitas mulheres.

Como começou a sua missão nos
Bombeiros Voluntários da Lixa?

Iniciei a minha atividade muito jovem. Uma vez que a minha casa era
perto do antigo quartel de Bombeiros desde cedo senti interesse. O meu pai
também foi bombeiro e todos os dias assistia aquela realidade. A curiosidade
foi aumentando e evidenciei que além da causa que serviam, os operacionais desenvolviam uma grande amizade. Achava fascinante o espírito de entreajuda. Na primeira oportunidade que surgiu decidi arriscar. Ainda no quartel antigo, recordo, com outras condições e sacrifícios.


Contactou com os Bombeiros, muito
cedo. Não houve nenhum fator que o
demovesse de seguir esse percurso?

Essa hipótese nunca esteve em causa.
Nunca tive preocupações ou algum receio em abraçar a causa. Talvez por ser demasiado jovem e não ter tanta responsabilidade como hoje.

Sempre foi o que quis para a sua vida?
Sempre me fascinei pela atividade dos Bombeiros. Além disso gostava das brincadeiras entre eles, que revelava uma amizade. Lembro o carinho especial que tinham por mim por ser pequenino e morar ao lado do quartel. Pegavam em mim ao colo e iam-me integrando. Comecei a ganhar o desejo de ser bombeiro.

Comandante dos Bombeiros da Lixa – Semanário de Felgueiras

Como foi a sua progressão?
Até chegar ao posto que ocupo hoje, foi um processo normal e tranquilo.
O anterior Comando e Direção foram excelentes. Sempre fui assalariado, ao longo da minha atividade profissional. Entretanto cumpri o serviço militar e comecei a enriquecer a minha formação. Fiz vários cursos, graças às anteriores direções e ao Comando, porque às vezes era difícil conciliar com a atividade profissional. Sempre tiveram um espírito de abertura enorme, que nunca dificultou, quer o meu trabalho quer as minhas formações. Pelo contrário, motivaram-me sempre. O Comandante, José Campos, também estava de acordo com essa filosofia. Eu tinha uma disponibilidade que muitos voluntários se calhar gostariam, mas não podiam porque as entidades patronais não permitiam. Reconheço que me foi facilitado esse processo. Tudo que foram formações decidi abraçar.

A que tipo de formações se refere?
Formei-me em tudo que é referente à Proteção Civil. Especializei-me na vertente de Emergência médica e Emergência pré-hospitalar.

Por alguma razão em concreto?
Por ser das minhas áreas preferidas. Atualmente sou formador na Escola Nacional de Bombeiros e no Instituto Nacional de Emergência Médica. Apesar de considerar
que na nossa missão é tudo importante, para mim, salvar vidas tem um significado especial. Em segundos podemos reverter uma situação. Especializei-me muito, sem
descurar todas as outras vertentes.

Bombeiros da Lixa – Semanário de Felgueiras

A partir daí foi nomeado Adjunto do
Comando?

Fruto de algum reconhecimento, no seio do corpo de bombeiros, foi-me feito um convite, pelo anterior Comandante, José Campos, e pelo segundo Comandante, Jorge Cardoso.
Tinha 29 anos e como ainda era bastante jovem, percebi que estava no caminho certo. Dentro do amor à causa, privilegiei o conhecimento. Quem não sabe, não salva e essa é uma das nossas principais missivas. Tentei sempre estar dentro de todas as temáticas para
poder dar uma resposta positiva.

E como chega a Comandante dos
Bombeiros da Lixa?

O anterior Comandante, José Campos tinha atingido o limite de idade e acabou por sair. Na época eu tinha 34 anos. Fui abordado pela direção se estaria interessado em assumir a difícil missão de representar uma tão nobre associação. Deu-se uma negociação fácil, até porque aceitei as condições.

Sentia-se capaz, uma vez que ainda
era bastante jovem?

Não vou negar que inicialmente fiquei receoso. Pensava muito se estaria à altura do desafio e se conseguiria ombrear tamanha causa. Isto porque passaram pelo quartel referências
emblemáticas e a missão não é fácil. A crise que hoje vivemos já se sentia noutros aspetos. No entanto, também considerava que tinha criado os alicerces necessários para
dar uma resposta positiva. Comecei a ser mais empenhado e assim foi.

O cargo implica comandar cerca de
120 pessoas. Muitas delas são mais
velhas, com muitos anos de experiência.
Como foi a adaptação?

Como já era adjunto de Comando o processo foi simples. No passado já tinha uma ligação à corporação, o que fez com que as pessoas tivessem um carinho por mim. Algumas delas
chegaram a andar comigo ao colo. Há um ditado que diz que se queremos ser respeitados temos que respeitar e nesse aspeto considero que ambas as partes cumpriram sempre a sua parte. Cheguei a ficar surpreendido porque algumas pessoas com a idade dos meus pais fizeram de mim uma referência, até em questões pessoais. Desenvolveu-se uma relação pessoal e profissional. Nunca tive qualquer problema em termos de hierarquia. Sabemos adaptar-nos a cada momento.

Foram das primeiras corporações
do distrito a ter mulheres no corpo
ativo…

Isso tornou-se possível porque os Bombeiros da Lixa sabem receber e criar condições para que as pessoas se sintam bem. Também para que consigam
progredir na carreira e ter ambições. As mulheres têm uma missão mais complicada que os homens. Há um estigma na sociedade, de forma errónea, de que por ser um espaço
partilhado com homens, não existe o devido distanciamento e condições para executarem a sua missão. É falso, até porque apesar de o quartel ter alguns anos, já foi pensado com essa finalidade. Elas têm o seu espaço e nunca foi preciso impor disciplina. Todos trazem educação de berço.

“Não nego socorro a ninguém. Se me
ligarem a ambulância vai”

As mulheres são uma mais valia nos
Bombeiros?

Sem dúvida. Em determinados contextos são importantíssimas. A palavra de uma mulher é muito importante, por vezes. Nos socorros ao sexo oposto, normalmente estes sentem-
se mais confortáveis.

Nunca tentaram desvalorizar o papel
das mulheres enquanto bombeiras?

Nunca tive nenhuma experiência negativa para relatar. Muitas pessoas pensam que atividade de um bombeiro é só física. Nós somos uma equipa e dividimo-nos. Muitas vezes adequo a função a determinados grupos, para dar uma resposta mais positiva e as mulheres também têm funções em que são muito importantes.

Como é que lida com as emoções
sobretudo quando socorre pessoas
conhecidas?

Cada um tem uma maneira diferente de lidar, mas convém realçar que temos no nosso quadro um psicólogo. Temos diversos médicos, alguns deles bombeiros que também estão
ao dispor para ajudar naquilo que for necessário. A própria autoridade e Instituto Nacional de Emergência Médica apoia.

Mas não há nenhum tipo de situação
que o abale?

As questões que mais me deixam vulnerável são relacionadas com crianças.
Somos todos fortes, mas esse é o meu limite. Não merecem sofrer. Não têm maldade nenhuma e não sabem fingir o sofrimento, ao contrário de alguns adultos. No entanto, para sermos bons profissionais, temos que colocar as emoções de lado. O que transmito aos meus bombeiros é que no socorro estamos para socorrer e depois sim lidamos com
os sentimentos. Já tive bombeiros que ficaram marcados por uma ou outra situação, mas ultrapassaram.

Qual foi a situação que mais o marcou
negativamente? E positiva?

Foi relacionada com incêndios florestais. É uma temática que não é valorizada, mas já me vi numa situação aflitiva. Fico ansioso quando tenho a responsabilidade de levar cem
ou duzentos operacionais para um combate a incêndio. Até porque vou representar o distrito e vou para outras zonas do país. A situação mais positiva foi o primeiro parto que fiz. Marcou-me e marca-me muito ver alguém a chegar ao mundo.

A boa imagem que os Bombeiros da
Lixa adquiriram no passado,
mantém-se?

É para isso que trabalhamos afincadamente. E isso é um fator motivacional para nós. Mais do que nunca não estamos parados e continuamos a formar-nos. Quem não sabe, não salva e temos noção da responsabilidade e confiança que as pessoas depositam em nós.

Quando se depara com situações
novas ou ocorrências incomuns,
como atua?

O segredo é manter a calma, parar, pensar e depois agir. Nesta área específica, ao contrário do que as pessoas pensam, não podemos agir por impulso. Uma decisão mal tomada pode ser irreversível e não posso tomar decisões erradas. Estamos a lidar
com pessoas e bens indispensáveis. Perder dois segundos a pensar pode fazer-nos ganhar uma vida.

A população não vos atrapalha na
maioria das vezes?

Sim, sem dúvida. Sou um patriota e adoro o meu país, mas no que se refere
à Proteção Civil temos muito a melhorar. Somos muito bons nas medidas reativas, mas não nas preventivas. O melhor que as pessoas podem fazer é afastarem-se para garantir a segurança dos operacionais. Essa mentalidade ainda não está muito incutida. As pessoas, por vezes, não percebem que estão a prejudicar e que um socorro rápido não é o que se
pretende naquele momento. O nosso trabalho é garantir que tudo o que possam ser lesões não se agravem. E isso leva tempo. Chegam a insultar-nos. É uma falta de entendimento
na matéria especifica de que se o socorro não for bem feito pode ser fatal.

O mesmo se passa em relação ao tipo
de viaturas que usam?

Sim. Por vezes valorizam mais a viatura amarela, o que é errado, até porque os técnicos são os mesmos. Posso dizer que a equipa que sai em primeira intervenção, são todos tripulantes de ambulância de socorro. Têm o mesmo curso que os elementos do
INEM. Sou formador do INEM e noto que se estivermos numa ambulância dos Bombeiros a população considera insuficiente para o socorro. Os técnicos que lá estão têm o mesmo
grau de conhecimento. Isso evoluiu. São estigmas que se criam e não coincidem com a realidade. Até porque se for necessário apoio diferenciado, as equipas vêm ao nosso encontro.

“As pessoas dizem muitas vezes que
acham que não conseguiam abraçar
esta missão. É outra celeuma que
existe. Dou muita formação de
Emergência pré-hospitalar e todos
dizem isso. As pessoas têm que
perceber que é totalmente diferente
verem uma ocorrência na televisão.
Ao vivo esse sentimento de que não se
consegue, deixa de existir. Só quando
chegamos a casa é que percebemos o
que aconteceu”

Costumam ser mais vezes elogiados
ou ofendidos, durante as ocorrências?

Aquilo que nos marca mais fica na memória por isso guardo os aspetos positivos. Mas sim, tenho Bombeiros que por vezes ficam afetados porque não foram tratados da forma mais adequada. Mas reconheço que nós é que nos temos que abster dos ambientes hostis, até porque mais tarde as pessoas reconhecem que estiveram mal e vêm ter connosco para
pedir desculpa. E é fácil entender: quem espera, desespera. Já estive numa situação em que necessitei de assistência e aqueles cinco minutos, de espera, pareciam meia hora. Nós
temos o tempo de ação controlado e sabemos que demoramos pouco, mas para quem espera parece muito.

Há um tema pouco falado em
Portugal: o facto de terem que
socorrer uma pessoa a vários
quilómetros de distância do quartel
não afeta a vossa atuação?

Curiosamente essa é uma das minhas grandes reivindicações, junto das entidades competentes. Desde agosto de 2019 que tento demonstrar a minha opinião relativamente a essa temática porque acho que o socorro em segundos faz toda a diferença. Não importa quem, importa sim a rapidez naquele momento. Seja em Felgueiras, seja em Amarante, Lixa ou até Celorico de Basto. Defendo o socorro ao minuto porque é assim que sistema integrado de emergência médica está protocolado. Por isso é que em Felgueiras, se for necessário, a viatura médica de ressuscitação que vai, é a de Penafiel ou de Guimarães,
porque estão mais próximas. É isso que defendo nos critérios de atuação e de ativação para os corpos de Bombeiros: proximidade. Até ao sétimo minuto temos uma percentagem
elevada de reverter uma paragem cardiorrespiratória, se o ritmo cardíaco assim o permitir.

O que pode fazer a diferença é o tempo.
Hoje em dia ainda não se verifica.
Ignora-se muito essa questão em
Portugal ainda?

Ignora-se porque há interesses que se sobrepõe à razão e sobretudo à principal causa que eu acho que nos deve reger a todos: Humanidade. O socorro não pode estar dependente
de quintas, quintinhas, concelhos. O socorro tem que ser de proximidade para o bem-estar do cidadão.

Mas está algo a ser feito? Será que
esta reivindicação parte de si por ser
mais novo e ter outra visão?

Sim já esta a ser feito. Poderá ser por ser mais novo e por ter uma visão diferente, mais vincada na emergência. Mas acima de tudo porque me preocupa. Há zonas perto do quartel
da Lixa que por pertencerem a outro concelho, não somos nós a assistir, mesmo quando chegaríamos lá em dois minutos. Vou batalhar sempre nesta causa porque não devo favores a ninguém. Se cheguei onde cheguei foi porque alguém quis que chegasse e nunca pedi. Da mesma forma que se tiver que sair saio. Mas o que tiver que dizer digo. Isto não pode acontecer. Pode ser um familiar meu, ou um familiar vosso. E não quero que ninguém tenha que esperar por socorro, que está a 30 minutos, quando pode ser assistido por uma
equipa que está mais perto. Mas é uma temática que me preocupa.

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