Se eu fosse uma mulher da europa medieval que ousasse enfrentar a sociedade do ocidente por me considerarem um ser inferior e sem alma, certamente morreria queimada pela inquisição. Se eu fosse uma mulher portuguesa de um século não muito longínquo, seria meu pai que num casamento arranjado, ou numa devoção imposta, me entregaria a sua vontade a um homem ou a Deus. Seria ainda meu pai, mediante as suas posses, a decidir num dote o meu valor. Tivesse eu nascido no início do século XIX e provavelmente, vivendo no concelho de Felgueiras, não teria acesso ao ensino primário e analfabeta, nunca conseguiria escrever o que penso.
Imagino que todos estes marcos e muitos outros, em qualquer conquista feminina, ao longo dos tempos foi feita por mulheres corajosas, mas também por homens vanguardistas que sonharam com elas e por elas, e desafiaram as leis e a sociedade dos seus tempos.
O que devemos nós à memória de Carolina Beatriz Ângelo na luta pelo direito ao voto? E o que dizer de Catarina Eufémia que foi morta com um filho nos braços enquanto reclamava por melhorias salariais?
Mas as desigualdades, a violência, não se remontam apenas ao passado.
Se eu deixar de viajar no tempo e me centrar na atualidade, viajando apenas de avião, encontro por exemplo em áreas do Islão, um mundo de submissão, desde o poligamismo, passando por autorizações obrigatórias de um homem para uma mulher poder trabalhar ou viajar para outro país. Na China, em que ser mulher é sinônimo de uma vida de submissão, ao longo de mais de vinte anos, a política do filho único (até 2016) foi a expressão do feminicídio e do abandono de meninas, num expoente de sofrimento e desumanidade.
A Índia por sua vez, é atualmente um dos países mais perigosos do mundo para uma mulher pela violência sexual e pelo trabalho escravo feminino.
O “problema” não é, porém só dos “outros”! Ainda em janeiro deste ano, foi divulgado que foram detetados 101 casos de mutilação genital feminina em Portugal em 2020.
No nosso país, em pleno século XXI, há mulheres que recebem ordenados inferiores aos dos homens para o mesmo serviço, horário e desempenho laboral. Ironicamente também temos situações em que numa afirmação e luta pela progressão profissional (de direito), cada vez mais mulheres abdicam da construção de uma família e da maternidade, não por vontade real, mas por uma escolha entre a vida pessoal e o sucesso profissional em quadros superiores de carreira, não havendo espaço para as duas vertentes coexistirem.
Por tudo isto e por muito mais, o dia internacional da mulher carrega em si todo um peso de vulnerabilidade que em nada é dignificado por uma jantarada de amigas a dançar à volta de um stripper soltando gritinhos de histerismo. Para muitas mulheres é apenas isso, um dia de folia, para mim um dia triste por haver motivos para existir.
Cabe-me ensinar ao meu filho que todas as pessoas têm de ser tratadas com respeito e que as meninas e os meninos têm os mesmos deveres e os mesmos direitos. Cabe-me respeitar-me a mim própria, como mulher e exigir o mesmo aos outros.
E a igualdade de tratamento é, por si só, uma forma de respeito. Porque numa discoteca de noite Ladies Night tenho bebidas de borla? Se os homens pagam eu também quero pagar, também não quero discriminações positivas! Mas não prescindo do meu salário justo