Pub

Quinta de Maderne
InícioSociedadeÉ uma experiência que traz muito amadurecimento e uma nova visão do...

É uma experiência que traz muito amadurecimento e uma nova visão do mundo”

A imigração tem se tornado, cada vez mais, um assunto da ordem do dia no concelho de Felgueiras. A chegada de imigrantes à procura de uma nova vida, com mais conforto e segurança é algo que se tem vindo a assistir com mais regularidade agora. Thais Cloth e Polyanna Santos, recém-chegadas a Portugal e Olga e Sergiy Shevchenko, imigrantes há mais de 20 anos, contaram ao Semanário de Felgueiras a sua experiência.

Sergiy Shevchenko mudou-se para Portugal há mais de 20 anos, com a ideia de ganhar mais dinheiro e tornar a sua vida e da sua família mais confortável. “Estava complicado na Ucrânia arranjar um trabalho bem pago e, na altura o governo de Portugal fez um acordo com o governo da Ucrânia porque precisavam de pessoal para trabalhar”, e dessa forma, mudou-se para Portugal, com trabalho garantido, que lhe permitia fazer a documentação para viver, e, posteriormente, trazer a família, para Portugal. “Vim para Felgueiras por ser uma zona industrial, onde havia muito trabalho, no calçado, e depois, fui aprendendo a língua e trabalhei também na construção civil”, termina.
Mais de um ano depois, e com muita preparação, Olga Shevchenko, esposa de Sergiy, e a filha, chegaram a Felgueiras. O marido “tinha contrato, tinha alojamento, tinha rendimento e pode chamar a filha e a esposa para cá”, explica Olga. A ideia inicial da família era juntar dinheiro e voltar para o país, passado alguns anos.

“A trabalhar numa fábrica não importa se sou formada em direito e tudo o que você sabe vai ficando de lado”, Polyanna Santos

No Brasil, Polyanna Santos era advogada e foi demitida. “Já estava cansada da minha profissão e pensei o que poderia fazer de diferente”, com isto, conversou com uma amiga que estava a viver em Portugal, que contou sobre a experiência. Assim, começou a fazer pesquisas sobre como poderia vir para cá, tratar da documentação e juntar dinheiro, para começar a vida do zero

Thais Cloth era professora no Brasil, mas, descontente da situação política, começou a tomar a imigração como uma opção. Por Portugal ser um país da União Europeia, e por ter facilidade para viver cá, acabou por ser a opção mais segura. “Além disso, a Polyanna e o António, o marido dela, estavam a morar aqui em Felgueiras, e acabamos por escolher Felgueiras por esse motivo”, “e Felgueiras é acolhedor”, revelou.

“A língua nós estranhamos muito. Tínhamos sempre um caderno connosco para apontar as palavras que íamos ouvindo e um dicionário para ajudar”, afirma Sergiy

Sergiy Shevchenko entende que, nos primeiros tempos, o patrão o ajudou muito, dando-lhe contrato e alojamento. Chegado ao país, sem conhecer ninguém, apenas com a companhia do seu irmão, a primeira coisa que fez foi aprender a língua. Afirma que ver televisão e ouvir rádio o ajudou a ganhar familiaridade com a língua portuguesa. Olga acrescenta que “foi muito complicado, mas ainda assim, antigamente era mais fácil, em termos de documentação, por exemplo”.



“No Brasil estávamos muito descontentes com a situação. Trabalhávamos muito e todos os meses tínhamos de usar o cartão de crédito”, afirma Polyanna. Mesmo já tendo morado sozinha no Brasil, numa cidade diferente da mãe, não se compara. Aqui sente uma solidão diferente, “mesmo estando com muita gente, parece que não estou com ninguém”, explica.
Thais vê a vinda para Felgueiras como um corte do cordão umbilical. “E quando chego aqui ponho no bolso a minha experiência, eu tinha duas licenciaturas, e aqui tive de sair dessa área e procurar emprego em todo o lado”. Mais tarde, decidiu empreender, na área da pastelaria, fazendo doces por encomenda. Que Tal Doces é o nome do empreendimento.
A filha de Sergiy e Olga Shevchenko tinha apenas três anos quando saiu da Ucrânia e chegou a Portugal. A mãe afirma que foi quem teve mais facilidade em adaptar-se ao novo meio. “Ela estranhou um bocadinho porque gostava muito da creche, e aqui ficou comigo nos primeiros tempos, mas acabou por adaptar-se melhor que nós”, afirma. A aprendizagem da língua foi “muito rápida, teve sempre boas notas”, completa.
A filha, como aprendeu na escola, desde muito cedo, não teve qualquer problema a lidar com a língua portuguesa, e segundo os pais, começou a falar português em casa mais cedo do que eles. No entanto, fazem questão de manter a comunicação na sua língua-materna, em casa, continuam também a preservar tradições ucranianas, como a comida, as festividades.
“Quando começou a guerra, choramos todos lá em casa, foi muito complicado viver esse momento”, diz Olga. Sergiy completa dizendo que não conseguiu dormir nos primeiros tempos da guerra, com preocupação pela família e pelos amigos. “Até há um mês, caíram 20 misseis na nossa cidade”, afirma.


A burocracia foi o mais difícil nos primeiros tempos, a maior parte das pessoas vem para Portugal como turista e decide ficar, procura um emprego e trata de toda a documentação, segundo Polyanna Santos. “Nós vimos para cá, pelo que as pessoas dizem”, completa. Em alguns aspetos acabam por errar a ver vídeos no YouTube, pensando que todas as informações são universais no país e “muitas pessoas mentem na internet”.
Polyanna também empreendeu em Felgueiras, com consultoria de imagem. A consultora de imagem entende que tem de provar todos os dias que sabe fazer alguma coisa. Sentia que cá não é boa o suficiente. “A trabalhar numa fábrica não importa se sou formada em direito e tudo o que você sabe vai ficando de lado”. A ideia de Polyanna à chegada a Portugal era mudar o seu rumo para a moda, mas, enquanto não consegue entrar na universidade, começou com um pequeno passo na área de consultoria de imagem.
A consultora de imagem admite ainda não ter medo de se mexer para ganhar dinheiro e pagar as contas. Mesmo que com a falta de emprego se torne difícil, Polyanna e o marido, além dos respetivos empreendimentos, procuram formas de rendimento extra como vender fotos, dar aulas de luta, fazer feijoada para vender com a Thais.

Thais Cloth era professora no Brasil, mas, descontente da situação política, começou a tomar a imigração como uma opção

“O pior para mim eram os fins de semana, era quando eu sentia mais saudades”, diz Thais Cloth. E acrescenta que os domingos eram o dia que reuniam a família num churrasco e acabou por procurar trabalho aos domingos numa tentativa de fazer com que esses dias passassem despercebidos. E além disso, nas datas comemorativas, aniversário, Natal, sente sempre a falta da família para celebrar.



O avanço da tecnologia facilitou muito a “matar as saudades” da família. Sergiy conta que, quando chegou a Portugal, comunicava com a esposa por carta e que demorava muito tempo a saber notícias da esposa. Agora, conversa frequentemente com a família por chamada telefónica e videochamada.
“A cultura é muito diferente”, diz Olga. Começam por explicar a dificuldade que tiveram em aprender a língua portuguesa. “A língua nós estranhamos muito. Tínhamos sempre um caderno connosco para apontar as palavras que íamos ouvindo e um dicionário para ajudar”, afirma Sergiy. “Não falamos direitinho, nota-se”, mas conseguem comunicar bem e não têm problemas, entende Olga.
“Aqui há mais cultura religiosa”, afirma Olga. Acrescenta “aqui trata-se muito melhor as pessoas, o atendimento nas lojas, no posto médico é muito melhor”. Sergyi completa dizendo que há muito mais interação, mais entreajuda que no seu país de origem. “Quando fomos a última vez à Ucrânia passar férias, não gostamos, já não estamos habituados” ao trato das pessoas.
“Gostamos muito de Portugal, tem praias, temos o Gerês, que gostamos muito de passar férias”, diz Sergyi. Falam também da temperatura. Olga entende que Portugal é um país muito quente, mas Sergyi acrescenta que prefere o calor de cá ao frio que se faz sentir na Ucrânia, e Olga concorda dizendo que as temperaturas negativas são muito complicadas, lá.
“É uma experiência que valeu muito para mim em questão de amadurecimento, visão do mundo”, diz Thais. “Temos a sensação de que estamos a perder tudo no Brasil”, mas entende que está a ganhar mais vida como imigrante, como se num ano vivessem cinco, completa Polyanna.
Thais completa que a cultura brasileira é de maior confraternização. “No Brasil, está sempre toda a gente do lado de fora da casa, a falar com os vizinhos”, “a nossa enxada nunca parava em casa, estava sempre na casa de algum vizinho”, esclarece. Há mais entreajuda sem pensar em devolver favores, entende. Polyanna completa que, em Portugal “há muito a cultura de que cada um cuida da sua vida”.
Polyanna não deixa de referir o preconceito que passa por ser brasileira, e recebe questionamentos à cerca do seu casamento. “Mas é casada com um português?”. Acredita que pode ter acontecido de as brasileiras estragarem casamentos, mas generalizar é errado.
No início Polyanna e Thais pensavam em voltar para o Brasil. “Nos primeiros seis meses pensava muito em voltar. Quando morava cá há 8 meses consegui falar que era aqui a minha casa. Agora, mais de dois anos cá sei que por mais que vá ao Brasil, é aqui que vou voltar”, esclarece Polyanna.
O casal foi, com o tempo, percebendo que a cultura e o estilo de vida em Portugal é melhor e, por isso, foram alterando a sua ideia inicial. Se no início pensavam que ficariam apenas uns anos e voltariam para a Ucrânia, hoje já não veem a sua vida noutro país. “Sempre falei que ia ficar aqui alguns anos, mas depois da filha começar a andar na escola, começamos a adiar o plano de voltar e já não vamos deixar a filha aqui”, termina Olga.

Beatriz Cunha

Pub

Teco

Mais Populares

Subscreva a nossa newsletter

Para ser atualizado com as últimas notícias, ofertas e anúncios especiais.

Últimas