Usa-se em Portugal a expressão “entre marido e mulher não se mete a colher”. Se o tempo provou que há provérbios errados, este é um deles.
Recentemente Felgueiras viu-se tristemente confrontada com um episódio dramático, que a todos tocou, e que infelizmente terminou da pior das maneiras para agressor e agredida. A indiferença e inércia não podem ser a solução!
São muitos, demasiados, os casos de violência doméstica. A intervenção da sociedade para vigiar e diminuir estas situações é crucial, e só com a participação activa de todos é possível trilhar um caminho de diminuição e, utopicamente, erradicação deste flagelo.
Meter a colher, nestes casos, é mais do que uma possibilidade, é um dever cívico, legalmente consagrado.
A Lei 112/2009 de 16 de Setembro, é um marco importante na legislação Portuguesa e estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas. Desde logo, define de forma aberta o conceito de vítima como a pessoa que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou uma perda material, diretamente causada por ação ou omissão, no âmbito do crime de violência doméstica, incluindo as crianças ou os jovens que sofreram maus-tratos relacionados com exposição a contextos de violência doméstica.
Por sua vez o artigo 152.º do Código Penal estipula que quem infligir maus-tratos físicos ou psíquicos (incluindo castigos corporais, privação de liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso a recursos económicos ou patrimoniais próprios ou comuns) ao cônjuge ou ex-cônjuge, namorado/a, ou pessoa indefesa que viva na mesma casa, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Para além destas normas, há um vasto quadro legislativo relativo ao tema, nacional e internacional, tentando criar as condições necessárias e eficazes ao combate destes comportamentos. A criação de linhas de apoio às vítimas, a sensibilização das autoridades policiais, a instituição de casas de abrigo, apoio psicológico, protecção de testemunhas, inibições de contactos, entre outras, são medidas efectivas e disponíveis. Mas não se têm mostrado suficientes para debelar o problema.
Desde logo, muitos dos fenómenos de violência doméstica estão directamente relacionados com questões/distorções culturais, sendo o processo educativo, desde cedo, essencial.
Também, não são poucos os casos em que associado a este problema estão patologias de saúde mental, erradamente desvalorizadas, às quais há que atender de forma activa e não condescendente.
Em todos os casos, compreendendo que a resposta às consequências deste problema é um desafio contínuo, para o qual nunca os recursos são suficientes nem as soluções perfeitas, importa deixar uma mensagem clara:
A sociedade está atenta, vigilante, participativa e a justiça será severa.
Impõe-se denunciar e pedir ajuda. Vamos todos, mesmo, “meter a colher”.
David Cardoso, Advogado