No primeiro semestre de 2023 já se registavam 14.800 queixas por violência doméstica em Portugal, demonstrando já um aumento relativamente ao mesmo semestre do ano anterior. O ano muda, a página vira, mas temos de continuar a contar a mesma história?
“Tive um homem muito bom, nunca me bateu”, uma expressão que se pode ouvir de algumas idosas, que afirmam ter encontrado um bom marido por nunca terem sido agredidas. Na realidade, esse era o padrão, o marido agredir a mulher, sem qualquer consequência e a situação ser normalizada na sociedade.
Embora pareça ser conversa “de outros tempos” e nos dias de hoje o padrão não ser as mulheres serem agredidas, os programas televisivos e jornais, parecem demonstrar o contrário quando reportam diariamente casos e mortes por violência doméstica.
É importante desde a adolescência, tanto raparigas como rapazes, serem capazes de reconhecer a violência no namoro, posto que a violência doméstica e violência no namoro não se limitam à violência física.
Identificar sinais de violência psicológica, como controlar o que a outra pessoa veste, o que faz ao longo do dia, estar constantemente a entrar em contacto ou ameaçar terminar a relação de forma a manipular; os sinais de violência sexual, ser obrigado a atos sexuais ou toques não consentidos; os sinais de violência verbal, humilhações, críticas, insultos, ameaças e até mesmo a violência social, humilhação em público, controlo das redes sociais e persuadir ao isolamento dos amigos e família. Muitas vezes este tipo de violência é acompanhado pela culpabilização da vítima “Eu só fiz isto porque tu fizeste X”, “Eu não teria de reagir assim se não fizesses X”. Mas que esteja bem assente, a culpa não é da vítima.
Tanto na violência no namoro como na violência doméstica, pode ser difícil para a vítima acreditar que a pessoa que está com ela e gosta dela, lhe possa fazer mal e vai confiando e tendo esperança numa possível mudança. Muitas vezes, no seu discurso pode tentar justificar o comportamento do agressor.
Independentemente da idade, estatuto social, económico ou profissão, a violência doméstica pode acontecer a qualquer pessoa e tem consequências profundas.
As consequências psicológicas da violência doméstica podem não ser visíveis, mas são profundas.
As vítimas podem experienciar baixa autoestima devido aos maus-tratos, sentindo-se desvalorizadas, envergonhadas e incapazes, numa posição de vulnerabilidade e fragilidade.
A relação em que se encontram pode parecer “um beco sem saída” não conseguindo sair da relação, seja pela dependência económica ou até mesmo por não se sentirem compreendidas, não terem uma rede de apoio ou por sentirem que não são suficientes para serem amadas por outras pessoas.
A tristeza, medo e frustração, são habitualmente uma constante, que levam a uma sensação de alerta contínua.
As vítimas podem começar a apresentar perturbações de ansiedade e/ou depressão, ataques de pânico, perturbações do comportamento alimentar, alterações do sono e até mesmo desenvolver sintomatologia da perturbação de stress pós-traumático.
A violência doméstica pode também causar comportamento de automutilação e tentativas de suicídio.
O impacto na saúde mental é profundo e inegável, bem como a necessidade de apoio a todos os níveis tanto para a vítima como para o restante agregado familiar, caso exista.
As consequências emocionais e psicológicas, embora “invisíveis” afetam a qualidade de vida da vítima, mesmo após o término da violência (seja por separação ou condenação) e não devem ser ignoradas.
Em conclusão, o bem-estar das sobreviventes de violência doméstica não deve ser negligenciado e é necessário um esforço coletivo para quebrar o ciclo e lutar por mundo livre de violência doméstica.
Marcela Leite, Psicóloga