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“Quero usar a política para o bem dos outros. Não com políticas, mas com ações”

Estivemos à conversa com Lúcia Ribeiro, Presidente da União de Freguesias da Pedreira, Rande e Sernande e ficamos a conhecer o seu lado mais pessoal. Gosta da proximidade com as pessoas da freguesia e luta sempre por aquilo em que acredita. Contou-nos que anseia ser feliz no final deste grande desafio.

Como era enquanto criança e adolescente?
Eu sempre fui uma criança mais reservada e envergonhada. Era aquela que ficava no cantinho e não tomava eu a iniciativa de comunicar com as pessoas. Tinha os meus amigos, mas era sempre a mais calada. E no fundo creio que ainda mantenho esse perfil hoje em dia. Calma, calada no meu espaço e ponderada.

Como é que uma adolescente assim chega ao dia em que decide estar à frente de uma freguesia?
Eu sempre prestei serviços à freguesia. Fiz catequese, no meu tempo era até ao 4º ano, e depois da Comunhão Solene fui logo para Catequista. Cheguei a fazer Bodas de Prata, por isso foram ainda alguns anos que estive com as crianças na catequese. Durante esse período cheguei também a ser Presidente do Grupo de Jovens, fui Presidente do Grupo de Vicentinos e atualmente eu e o meu marido somos os responsáveis da Pastoral Familiar. Portanto, acho que mesmo sendo uma pessoa calma, consegui passar a mensagem daquilo que eu era às pessoas. E acredito que as pessoas sempre viram algumas qualidades em mim. E como eu disse, estava sempre no meu cantinho, mas sempre a observar e a trabalhar no silêncio. Não gosto de me expor, nem sinto essa necessidade. Sempre gostei de ajudar os outros, mas sem publicidades.


As freguesias de que é Presidente – Rande, Sernande e Pedreira – sempre fizeram parte da sua vida. De que forma?
Eu sou natural de Margaride, mas fui muito nova viver para Sernande. A minha família materna é toda de lá. Entretanto, fui viver para a Pedreira. A minha Escola Primária foi feita lá. Mais tarde fui viver para Rande e penso que por lá fico de vez (risos). Por isso costumo dizer que sou um bocadinho das três. Tenho amigos nas três e sempre fiz parte de tudo o que havia de festas populares e outros eventos. Nunca fui uma pessoa estranha às pessoas das freguesias.

Acha que isso facilitou o processo de campanha porta a porta? Ser conhecida em todas?
Penso que ajudou. Mas, para além disso, eu era Tesoureira do anterior Executivo. O convite para eu assumir liderança até partiu daí. O antigo Presidente não se quis candidatar mais, embora podia ter feito mais um mandato, e foi aí que me convidaram a formar lista. Confesso que não foi um “sim” à primeira. Foi muito ponderado em família. Era impossível eu avançar com algo assim sem conversar com o meu marido antes. Precisava de um suporte familiar coeso. Muitas vezes, para um homem, acaba por ser mais fácil. Para além da profissão, as mulheres têm a casa e têm os filhos… mas nesse aspeto o meu marido ajudou-me – e ajuda – e acreditou mais em mim do que eu própria. Só dessa forma é que eu consigo estar onde estou.

Eu gostava que as pessoas aparecessem mais e dessem as suas sugestões.

Isto leva-nos à questão seguinte. Como é que consegue, como mulher, conciliar a profissão, a Junta e a vida de casa?
Há dias que não são nada fáceis. Temos reuniões, temos muitas vezes de nos deslocar a casa das pessoas, ver as ruas, iluminação e outros problemas que nos pedem resolução e ainda temos três vezes por semana a Junta aberta das 20h às 21h e no primeiro sábado do mês na Sede, na Pedreira. Tudo isso requer muito tempo. Esta não é a minha profissão, mas a verdade é que tenho de estar disponível para estas questões a 100%, seja a que horas for. Às vezes saio do meu local de trabalho e desloco-me para ir tratar de alguma coisa. Depois compenso. Tive uma conversa inicialmente com a Entidade Patronal, que também foram compreensivos. Duas pessoas indispensáveis são também a minha mãe que vai sempre fazendo o jantar quando é necessário durante a semana e a minha irmã que está sempre pronta para ajudar. Muitas vezes o que nos toma mais tempo ainda é a organização das várias atividades. Nós vamos fazendo caminhadas, tivemos o Carnaval, temos o Dia da Vila, agora em maio temos o passeio dos idosos a Fátima… são tudo coisas que exigem muita organização, reuniões e deslocações.

Ainda a falar do papel da mulher… alguma vez sentiu, neste cargo, que não era credível ou sentiu preconceito?
Aconteceu apenas uma vez um comentário que um senhor fez “se fosse homem, já estava resolvido”. Quero acreditar que cada vez mais as pessoas nos respeitam por aquilo que fazemos e não por sermos homens ou mulheres. Merecemos o mesmo respeito. Não sinto discriminação, mas acredito que ainda há muitas mentalidades retrógradas.

Quando entrou para a Junta deparou-se com alguma dificuldade?
Na verdade não havia nada que eu não soubesse ou não estivesse mais ou menos a par, uma vez que eu vinha do mandato anterior. Saímos com as contas todas em dia, um projeto pronto a iniciar e dinheiro para ele. Acho que nesse aspeto fui uma privilegiada, comparando com outros colegas que tiveram algumas dificuldades. Mas claro que problemas há sempre, coisas que ficam por resolver. Para mim, a maior dificuldade são muitas vezes as pessoas que acham que temos muito poder para resolver as questões de um dia para o outro, quando na verdade não temos. Fazer as pessoas entenderem que as coisas não são nada fáceis e que requerem tempo, é complicado. Mas sempre mantive uma postura calma e serena a falar com toda a gente e creio que acabam por perceber. Às vezes pago é com a minha saúde essa serenidade…
Outra grande dificuldade é conseguir ajudar pessoas que não falam diretamente comigo. Algo transmitido por outras pessoas nunca é igual. Ter de ouvir e falar por intermediários nunca dá bons resultados.

A questão, por exemplo, dos cheques-prenda de apoio à natalidade, não conseguiu adotar esta medida. Porquê?
Antes de mais é importante explicar que o apoio dado para uma freguesia não é o triplo quando se fala, no meu caso, de três freguesias. Claro que recebemos mais do que colegas que só estão com uma freguesia, mas não recebemos três vezes mais. Tem de existir uma gestão e nós temos objetivos que ainda não conseguimos concluir. O cheque é uma medida/ atitude de louvar, mas neste momento não me posso comprometer com algo que não conseguimos quantificar. Estamos a pensar numa alternativa de ajudar e apoiar noutro sentido, mas na natalidade, para já, não. Mas é mesmo por esse motivo, por querermos deixar algo feito nas três freguesias e o orçamento estar pré-definido para isso. Comigo, só faço se o conseguir pagar. Nunca deixaria dívidas a alguém. Para além de tudo, temos várias Associações que ajudamos financeiramente, três Paróquias, festas… é muita coisa. Todas as boas ações podem e devem ser aplaudidas e aproveitadas, como é o caso dos cheques, mas para nós ainda não é possível.


Estes projetos pré-definidos para as três freguesias estão a ser trabalhados por igual?
As necessidades são diferentes. Numas até temos bastante terrenos, noutras não. Tentamos rentabilizar consoante o espaço que temos. Na Pedreira, obra que vai arrancar agora, talvez seja a maior de todas. É a única obra que foi promessa de campanha porque o Executivo anterior deixou na conta verba suficiente para essa obra. Não deu tempo para ser feita na altura, mas ficou lá esse compromisso que se fosse eu a ganhar, era obra para cumprir. Foi dinheiro angariado naquela freguesia, portanto é realmente justo que ali seja feita a obra.

Como é a proximidade com as pessoas das freguesias?
Eu gostava que as pessoas aparecessem mais. Eu sou muito próxima das pessoas, mas nem sempre elas são próximas de mim. As pessoas podem fazer perguntas, dar ideias… às vezes estão em casa e têm coisas tão válidas para dizer, porque é que não se deslocam à Junta e falam comigo? Às vezes dizem “Se tivessem feito aquilo…”, mas porque é que na altura não me vieram dar essa sugestão? Nós não conseguimos estar em todo o lado ao mesmo tempo e não passamos todos os dias pelas ruas para perceber as necessidades. As pessoas podem ser uma mais-valia para elas próprias e para a freguesia. Muitas vezes não são feitas intervenções que são rápidas e fáceis porque não tivemos conhecimento delas. Tento sempre a união entre toda a gente. Apelo mesmo a que as pessoas apareçam e deixem a sua opinião.

Perspetivas para o futuro, são as melhores?
Tenho vivido coisas muito boas, mas ainda não me sinto concretizada. Neste ano e meio já tencionávamos ter feito muito mais do que já fizemos. Foi um problema de tempo (meteorologia) e os preços dos materiais de construção e mão de obra que estão exorbitantes, para além de que nem sempre estão disponíveis também. Temos muita dificuldade em encontrar quem queira trabalhar em pequenos trabalhos, como serralharia ou carpintaria, por exemplo. O tempo passa, as coisas não acontecem e acaba por ser frustrante. Queremos avançar, mas há coisas que saem do nosso controlo.

Se o tempo voltasse atrás, passava por tudo novamente?
Sim, está a ser uma boa experiência. Confesso que há momentos em que penso o porquê de ter aceitado este convite, a responsabilidade é sempre minha para tudo. Há dias mais complicados. Às vezes queremos ajudar e não conseguimos. Mas estou aqui para dar o meu melhor. Gosto de encarar bons desafios e espero ser feliz no final. Eu não gosto da minha freguesia só hoje, eu ando há anos a mostrar que a amo.


Elsa Ferreira

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