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Sábado, Março 25, 2023

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Bailarino felgueirense em destaque no Centro Cultural de Belém

Rodrigo Teixeira tem 26 anos, é bailarino e coreógrafo e fundou, em 2018, a sua companhia de dança “purga”. Nunca desistiu dos seus sonhos no mundo artístico e encontra na dança a sua maior paixão. Revela que quer voltar à sua terra natal e aqui continuar o seu sonho.

SF – Com que idade começaste realmente as aulas de dança?

RT – Eu comecei a dançar por volta dos 12/13 anos. Comecei um bocado tarde, supostamente, para o que é normal. Costuma iniciar-se um bocadinho mais cedo, mas eu comecei por volta dessa idade. Lembro-me que a primeira aula de ballet que fiz foi no verão.

SF – Lembras-te do porquê de teres escolhido a dança? Sentiste algum “clique” ou algo que tivesse acontecido?

RT – Eu sempre tive um gosto, tendência para tudo o que fosse artístico. Sempre gostei muito de música, por exemplo. Antes de começar a dançar, ainda na catequese, havia muitas atividades de final de ano, ou apresentações para os pais que eram mais dinâmicas e lembro-me muito bem de fazer com uma catequista minha, a Paula Pinto, muitas peças de teatro. Sempre me senti muito à vontade dentro desse universo de construir uma personagem, de estar a fazer algo que fosse diferente de mim ou da minha personalidade… e creio que foi esse o início. O momento em que surgiu mesmo a dança não me lembro bem, mas sempre dancei muito na escola com os meus amigos e houve um momento em que decidi inscrever-me em aulas com uma prima minha. Depois das primeiras aulas percebi que era aquilo que eu queria.


SF – Quando contaste aos teus pais que era aquilo que querias fazer, como é que eles reagiram?

RT – A reação foi sempre muito boa desde o início. Os meus pais são pessoas muito abertas e muito compreensíveis e aquilo que eles pensam é tentar facilitar as coisas para mim e para o meu irmão. Tanto que a minha mãe foi comigo inscrever-me na Academia de Dança de Felgueiras, que foi a primeira escola em que dancei, com a professora Cristina Correia. A minha mãe, o meu pai, o meu padrinho, tios, sempre criaram uma boa dinâmica para me acompanharem o máximo possível principalmente nos transportes para as aulas e assistiam aos meus ensaios. Sempre que podem ainda continuam a ir ver os meus espetáculos.

SF – Quando entraste para a Academia de Dança de Felgueiras, praticavas todos os estilos?

RT – A técnica que fui aprimorando foi sempre o Ballet Clássico. Quando entrei, a professora Cristina percebeu que poderia existir potencial na minha dança e comecei logo a tentar fazer o Grau III do Ballet Clássico dentro do método Royal que é o método utilizado, quer na Academia de Dança de Felgueiras, quer na escola que frequentei em Guimarães. Poucos meses depois fiz logo o exame, ainda em Felgueiras. Só no meu décimo ano é que comecei a frequentar aulas de dança em Guimarães.

SF – O que é que achas que é necessário para se ser um bom bailarino? A nível físico e emocional.

RT – Emocionalmente, e isto não é exclusivamente para a dança, é algo transversal a todas as artes performativas, acho que a parte mais importante a controlar é o ego. Todas essas áreas o trabalham. Somos nós que estamos em palco, muitas vezes é sobre nós próprios e acho muito importante controlar e saber perceber os limites do nosso ego e até que ponto é algo importante para nos ajudar a trabalhar ou quando começa a ser uma barreira para nos fazer avançar no nosso trabalho. A nível físico, acredito que a técnica, seja clássica, contemporânea ou moderna, é muito importante para ter um corpo que está preparado para responder a vários estímulos, tipos de dança e coreógrafos. Mas, para mim, o mais importante é algo que não há como explicar. O ser bailarino e o dançar é uma conexão muito grande entre o que se pensa e a forma como o transitamos para os movimentos do nosso corpo. Eu vejo a dança assim. Como um texto de teatro. Uma capacidade em transmitir a partir do corpo.
Aquilo que faz o público identificar-se com o bailarino ou com a peça é algo que não se vê, é mesmo uma conexão.

SF – Abriste uma Companhia de Dança em 2018. Porquê o nome “Purga”?

RT – Quando pensei nela, pensei num espaço onde tudo fosse possível e onde eu me sentisse livre para trabalhar qualquer tipo de inquietações que fosse sentindo. E daí o nome “purga” que vem do verbo “expurgar”, que significa “deitar para fora, conseguir expor sem preconceito”. Eu utilizo a “Purga” para ações de formação, workshops, masterclasses, formações junto da comunidade e para desenvolver os meus espetáculos.

SF – Em relação ao teu espetáculo “Paisagem”, que te deu muita visibilidade, conta com quantos bailarinos?

RT – Somos dois bailarinos, eu e a Maria Fonseca, bailarina algarvia, mas que trabalha entre Lisboa e Guimarães. Há três figuras, um músico em palco, o desenhador de luz e o videasta que é o João Leitão e que também fez a cocriação da peça comigo. Eles estão em palco e têm um papel, ações, embora um pouco mais escondidas, mas igualmente importantes.


SF – Estas peças acabam todas por contar uma história. Consegues resumir um pouco da história que retrata a “Paisagem”?

RT – Esta peça era para ter acontecido numa outra escala e outro formato. Inicialmente a ideia era trabalhar sobre violência em que teríamos ringues em palco e o público estaria dividido pelos dois ringues, mas isso implicava uma estabilidade orçamental que não conseguimos, pois não conseguimos ganhar alguns apoios a que nos candidatamos. Tivemos de reformular a peça, que retrata a violência sistémica, que é uma violência mais do que a física, uma violência que acontece a todos nós durante toda a vida, mas não conseguimos bem perceber porquê. Opera através da burocracia e dos discursos políticos. E são essas camadas mais invisíveis que trabalhamos na peça. Com este espetáculo tentamos também dar voz e visibilidade às minorias que normalmente não têm espaço de fala ou esse lugar é de mais difícil acesso.

SF – Qual é a importância de veres um espetáculo teu numa casa como o Centro Cultural de Belém?

RT – Na verdade, na altura nem quis acreditar que estava a acontecer. Estivemos no CCB através do Festival Temps d’Images, que é um festival de Lisboa que facilitou o acesso a vários teatros da cidade. Não quero dizer que não acreditava porque quando estamos a trabalhar, acreditamos sempre que o nosso esforço vai atingir um lugar de excelência, mas, quando aconteceu, e vendo o meu trajeto em perspetiva, foi uma emoção muito grande. No início da minha carreira nunca imaginaria que pudesse acontecer. Mas sempre tive muita vontade e sempre trabalhei muito. Sei que as coisas são transitórias. Aceitei com a responsabilidade que é estar numa sala como o CCB.

SF – Como é que tu lidas com as críticas?

RT – É uma coisa engraçada porque eu lidaria bem ou mal se as houvesse. Em Portugal, na dança, há um fosso muito grande no que diz respeito à critica. A critica artística no nosso país é muito deficitária. Há poucas pessoas a fazer e as que há não conseguem dar vazão à quantidade de espetáculos que vão acontecendo, de obras que se criam e de artistas que estão a trabalhar neste momento. Não há critica, há apreciação que depois tens acesso através dos teus pais e amigos. No meu espetáculo anterior tivemos jornalistas que foram assistir, mas numa fase de ensaio. Não se consegue fazer uma apreciação critica nessa fase, porque a peça ainda não está pronta. Gonçalo Frota escreveu no Jornal Público acerca do “Paisagem”, que nos deixou muito satisfeitos porque foi a primeira vez que eu tive alguém a escrever sobre o meu trabalho e a forma como escreveu foi muito bem conseguida. Conseguiu transcrever sensações para o papel.


SF – Já que estamos a falar de sensações, consegues descrever o que é, para ti, estar em palco?

RT – Não, isso não consigo. Não dá para descrever. É uma combinação de muitos fatores. Há um momento que se cria entre o aviso de sala e o som das palmas no final e esse espaço é muito próprio do meio teatral. É um momento singular, onde se juntam meses de trabalho que culminam num aplauso. No final dos espetáculos tenho sempre uma sensação de tontura. Sinto-me desperto, mas zonzo. E não consigo descrever o decorrer do espetáculo porque estou a viver tudo tão intensamente que eu e o meu corpo estamos num estado uníssono.

SF – Sentes que um bailarino homem tem algum tipo de desvantagem em relação a uma bailarina mulher? A nível de preconceitos, por exemplo?

RT – Na verdade, e falando de um modo geral a nível das sociedades, sinto que estamos a atravessar uma fase em que se estão a perder valores e ideais que estávamos a construir no caminho certo. Estávamos a desmistificar essa questão do homem na dança, que está muitas vezes associada a comportamentos que se dizem femininos ou até mesmo à orientação sexual dos bailarinos, mas estamos a remar ao contrário.
Quanto ao papel do homem na dança, não há mais nem menos dificuldade em relação à mulher. Acho até que a mulher tem mais dificuldade em termos de competição, porque são mais mulheres a dançar do que homens e há menos lugares para cada uma delas. A desvantagem que vejo em relação aos homens é mesmo terem de atravessar um véu qualquer que a sociedade impõe de princípios e valores que acham que um homem perde se se tornar bailarino. É preciso educar a sociedade nesse sentido. A dança e o homem que dança é exatamente igual ao homem que faz contabilidade ou que é CEO de uma empresa.

SF – Quais os teus planos para o futuro?

RT – Vou apresentar-te dois planos, um a médio e outro a longo prazo. A médio prazo vou iniciar em 2023 uma criação nova, que não sei bem ainda onde vai estrear nem onde será, mas sei que quero fazer um novo espetáculo e já tenho algumas ideias para o fazer e vou fazer uma reposição na Covilhã, mais para o final do ano, do “Paisagem”. A longo prazo, tenho trabalhado em Lisboa, não porque preciso daquela cidade para trabalhar, mas porque é uma cidade que me oferece espaços de trabalho. Se eu quero um estúdio, tenho. O meu plano era conseguir trabalhar no Norte e especificamente em Felgueiras. Isso é o meu grande objetivo. Ter um espaço aqui para conseguir fazer aquilo que faço em Lisboa. É mesmo uma questão de ter quatro paredes erguidas com um mínimo de condições para se dançar. Os bailarinos deslocam-se tanto para Lisboa, como para Felgueiras.


SF – O facto de quereres trabalhar em Felgueiras, é para provares que é possível viver da cultura até numa cidade mais pequena?

RT – Para mim é uma questão política. A “Purga” está sediada em Felgueiras. Mesmo pegando em todas as máximas que o Ministério da Cultura está constantemente a batalhar, como em trazer as artes e os artistas para o interior, faz todo o sentido e acredito que a arte deve ser acessível a toda a gente. E o acessível a toda a gente pode ser uma Companhia que está sediada em Felgueiras e está a fazer um processo criativo e as pessoas podem ir assistir, ver como funciona, perceber o que é ser um coreógrafo ou um bailarino. Na verdade, é isso que eu faço em Lisboa. Fecho-me num estúdio durante 3 meses com bailarinos e estou a trabalhar com eles, as pessoas vêm assistir aos ensaios, dão o seu feedback e no final há um momento em que se monta o espetáculo e se apresenta. Isso é uma coisa possível de se fazer em Lisboa ou aqui.

Elsa Ferreira

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