Reportagem publicada na edição 1476 do SF
A elevação da Lixa a cidade, em 1995, foi um marco histórico nesta comunidade, fruto do esforço de um grupo de cidadãos que ousou sonhar mais alto. Eduardo Pinheiro, ex-presidente da Junta de Borba de Godim, e Manuel Carvalho Ribeiro, fundador da Ourivesaria Mari e ativista na vida social da Lixa, foram protagonistas deste processo que, apesar de não ter alcançado todos os seus objetivos, nomeadamente a criação de um novo concelho, deixou um legado de orgulho e uma lição de persistência. Trinta anos depois, a Lixa cresceu, mas o sonho de um desenvolvimento pleno ainda aguarda concretização. O diploma na parede de Manuel Ribeiro e as memórias de Magalhães são testemunhos vivos de uma história de idealismo, trabalho comunitário e amor à terra.
A 21 de junho de 1995, a Assembleia da República aprovou por unanimidade a elevação da Lixa a cidade, um marco histórico para uma comunidade que ansiava por mais autonomia e maior desenvolvimento. Três décadas depois, o processo foi revisitado para o SF Jornal através das memórias de duas figuras locais, nomeadamente Eduardo Pinheiro, ex-presidente da Junta de Freguesia de Borba de Godim, e Manuel Carvalho Ribeiro, fundador da Ourivesaria Mari e ativo dinamizador social da Lixa.
O Sonho de Ser Mais que Cidade: O Concelho da Lixa
A ambição inicial do grupo de cidadãos e autarcas de freguesia não era apenas a elevação a cidade, mas sim a criação de um novo concelho que incluía várias freguesias de Felgueiras e Celorico de Basto (Agilde e Fervença), tendo igualmente sido sondadas duas freguesias de Amarante, que, na altura, não mostraram interesse no processo.

“Fizemos muitas reuniões, mas fomos um dia a Lisboa e disseram-nos para pensarmos primeiro na passagem a cidade e que depois era talvez mais fácil o concelho”, recorda Manuel Carvalho Ribeiro, fundador da Ourivesaria Mari e um dos membros da comissão, formada em meados dos anos 90, com o intuito de criar o novo concelho.
Igualmente conhecido como “Manelzinho da Rua Nova”, o comerciante, hoje com 91 anos, esteve, durante a sua longa carreira, ligado a vários aspetos da vida da comunidade lixense, nomeadamente nos Bombeiros, na Casa do Povo e na equipa de futebol local, entre outros.

Também sondado pelo SF Jornal, o antigo presidente da entretanto extinta Junta de Freguesia de Borba de Godim, Eduardo Pinheiro, confirma aquela informação, salientando que o grupo, que iniciou os trabalhos de preparação em 1993, a partir de uma reunião na edição daquele ano da EXPOLIXA, desejava a passagem a concelho.
O movimento foi impulsionado, sobretudo, por um grupo de “bairristas”, incluindo presidentes de junta de Borba de Godim, Vila Cova da Lixa, Maceira da Lixa, Santão e cidadãos locais. “Foram meses, anos de muitas reuniões, muito trabalho mesmo, por todos os envolvidos, com alguns recuos e avanços. Pretendíamos, sobretudo, que a Lixa tivesse outra dignidade, que fosse mais respeitada”, acrescentou o ex-autarca de freguesia sobre um processo que se desenrolou “nos bastidores” e sob algum sigilo.
A inclusão de Fervença e Agilde era importante para o projeto, sobretudo para cumprir os requisitos de área territorial para um novo concelho. Por outro lado, ambas as freguesias celoricenses viam no novo concelho uma maior proximidade a serviços que, em Celorico de Basto, lhes ficavam distantes, explicou ainda Eduardo Pinheiro. O sentimento de estagnação e a vontade de dinamizar a terra e a comunidade eram os motores daquele movimento, asseguraram ambos os entrevistados. Segundo o antigo autarca de freguesia, o grupo sentia que a Lixa era menos valorizada do que Felgueiras e via na criação de um novo município a chave para o desenvolvimento que lhes faltava.
Por seu lado, o fundador da Ourivesaria Mari, que ainda hoje se apresenta ao trabalho todas as manhãs, mostra, com orgulho, uma cópia do diploma de promulgação da Lixa a cidade, bem como a publicação no Diário da República, que estão pendurados no seu escritório.
“Pretendíamos, com o concelho, dar uma maior dignidade à terra, criar novas oportunidades para desenvolvimento e dinamizar este território, porque na altura notávamos que a Lixa não acompanhava o desenvolvimento de Felgueiras. A Lixa sempre teve muita coisa prometida, mas fica-se só pela promessa. Como concelho, poderia puxar para aqui muitas obras, por exemplo”, recorda.
Estratégia e Obstáculos
O processo de elevação a concelho enfrentou obstáculos, sobretudo de natureza política. Numa altura em que se desenhava o mapa concelhio do país, a resistência à ideia vinha de dentro do próprio PSD, na altura a força política dominante nas freguesias da Lixa. A maior, recordam ambos Eduardo Pinheiro e Manuel Ribeiro, vinha de Marcelo Rebelo de Sousa, então presidente da Assembleia da República e natural de Celorico de Basto, que se opunha à ideia do seu concelho natal perder duas freguesias (Agilde e Fervença) para o novo território. Dos Paços do Concelho, o silêncio sobre o processo era também sinal, para o grupo, de que o município de Felgueiras não via com bons olhos o projeto de um novo concelho. Contudo, tanto o executivo como a assembleia municipal eram favoráveis à elevação a cidade.“Nunca tivemos a ajuda da Câmara nessas coisas. Eles, obviamente, não deviam estar contentes com a ideia de perderem uma série de freguesias”, acrescenta o ex-autarca de freguesia.
O projeto de concelho foi, finalmente, vítima do contexto político nacional, marcado por acordos entre vários partidos para a criação de novos concelhos. “Houve uma reunião e foi aí que o sonho do concelho da Lixa acabou, porque fomos excluídos. Perdemos o processo por uns meros três dias”, recorda ainda Manuel Ribeiro.
O Orgulho e a Desilusão dos Anos Seguintes
Apesar de tudo, a elevação a cidade, por unanimidade, foi recebida com grande emoção. “Claro, foi uma coisa grande, foi uma alegria. Muita emoção mesmo: quando anunciaram que a Lixa passou a cidade, um dos nossos representantes desatou a chorar”, recorda Magalhães. O projeto, recordam ambos os entrevistados, teve como primeiro subscritor Rui Rio, então eleito deputado ao parlamento, pelo círculo eleitoral do Porto.Mas, ao longo das seguintes três décadas, a desilusão instalou-se. “A questão de passar a cidade não trouxe assim nada de maior”, lamenta Magalhães, apesar das promessas de maior desenvolvimento. Por seu lado, Manuel Ribeiro diz que houve algum crescimento, mas nada que tivesse um impacto maior na vida da comunidade, tal como era pretendido, com o projeto de concelho.“Que a Lixa desenvolveu alguma coisa, desde essa altura, desenvolveu. Há quem diga que não, mas eu conheço a Lixa há muito e reconheço que cresceu. Mas há falta de progresso, sobretudo: faltam empregos, falta o estabelecimento de indústrias, por exemplo, especialmente quando comparado com o resto do concelho. Talvez, talvez, se fôssemos um concelho, isto seria outra coisa. Era o que o povo da Lixa queria, e eu também”, conclui.




