Artigo de opinião publicado na edição 1475 do SF
Esta semana uma mulher viu e agarrou a oportunidade de confrontar o Senhor Presidente da República com a realidade da sua inércia naquilo que concerne à atual crise humanitária na Palestina, em particular na faixa de Gaza, que decorre descaradamente substancial ação da comunidade internacional. E, com a particular conivência da União Europeia e dos Estados Unidos da América.
Vale salientar que esta inércia é uma constante. Sempre que o conflito alcançou uma nova escala ou teve um novo desenvolvimento, os famosos polícias do mundo, bem como os estados Europeus, pouco ou absolutamente nada fizeram.
Hoje, várias organizações de direitos humanos escrevem relatórios e denunciam como genocídio e limpeza étnica as ações perpetradas pelo Estado de Israel contra o povo palestiniano. A questão é: onde está o Direito Internacional e todas as instituições que deveriam zelar pelo seu cumprimento? O Artigo 33 da Quarta Convenção de Genebra proíbe punições coletivas e medidas de represália contra a população civil. A imposição de bloqueios que afetam o fornecimento de alimentos, água e medicamentos a Gaza viola diretamente este artigo; o Artigo 49 da mesma Convenção proíbe a transferência forçada de civis para fora do território ocupado, assim como a transferência de parte da própria população do poder ocupante para o território ocupado. A construção de assentamentos israelitas na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental é uma violação direta deste artigo; O Artigo 147, ainda da Quarta Convenção de Genébra, define como crimes de guerra a destruição injustificada de bens e a transferência ilegal de propriedades. A demolição de casas palestinas e a expropriação de terras são práticas que infringem este artigo; a CERD, Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, data de 1965 e, no seu Artigo 3, proíbe a segregação racial e a discriminação no exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais. A segregação imposta aos palestinos, incluindo leis que discriminam cidadãos árabes israelitas, é uma violação deste artigo; a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados (1951) e a Resolução 194 da Assembleia Geral da ONU (1948) reconhecem o direito de retorno dos refugiados palestinos às suas casas. A recusa de Israel em permitir o regresso de refugiados palestinos é uma violação deste direito; A política israelita em relação ao povo palestino é, consistentemente, denunciada como Apartheid, numa clara violação do Artigo 7 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI), de 1998, em que essa prática é reconhecida como crime contra a humanidade. No mesmo Estatuto, no Artigo 8, ataques indiscriminados a civis e uso de armas proibidas são definidos como crimes de guerra. O uso de fósforo branco em áreas densamente povoadas de Gaza é uma violação deste artigo. Sem mencionar, entre outros, as diversas Resoluções da Assembleia das Nações Unidas que exigem a retirada de Israel dos territórios ocupados. Em todos os casos, nada de verdadeiramente influente foi feito. Mas quando é que as resoluções saem do papel? Até quando é plausível manter-se esta desresponsabilização por parte dos Estados?
O mesmo Direito que condena e classifica todas estas ações, não apenas como imorais, mas como ilegais, indica, também, como enfrentar os Estados que as perpetram. A aplicação de sanções, de embargos, a suspensão de acordos seriam não só o mínimo, mas o expectável de qualquer Estado que reconheça a legitimidade das Organizações Internacionais das quais, lembro, faz parte.
Por isso, senhor Presidente, não nos agarre pelo pescoço quando dizemos que não aceitamos ouvir os discursos apelativos de Guterres nem as desculpas, já levadas à exaustão, de Von Der Leyen. Não nos agarre pelo pescoço quando não aceitamos a impunidade perante a desumanização, a destruição e a morte de um povo! Foram estes Estados, estas instituições, que criaram não só as nomenclaturas e as definições para um leque vastíssimo de situações impensáveis, mas também o sistema para as travar e para responsabilizar aqueles que cometem os chamados “Crimes contra a Humanidade”. O mínimo, vá lá senhor Presidente é o mínimo, que podiam fazer era serem coerentes. Mas insistem em não ser. Mandemos então mais um barco com civis para fazer o que Estado nenhum tem a coragem de fazer. Somemos os tão falados direitos humanos às incontáveis mortes que as guerras que ninguém impede vão deixando.
Carolina Moreira