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Sentir Património, com Miguel Augusto Sousa

“A minha terra é o mundo inteiro (…) aqui há uns anos eu via-me a viver em qualquer sítio do mundo. Agora gostava de ficar sempre mais ou menos por aqui, nesta fronteira entre Margaride e Pombeiro, era o ideal. Tenho essa ligação.”
Miguel Augusto Sousa. 60 anos. Natural de e residente em Pombeiro, Felgueiras. Alguns conhecê-lo-ão como instrutor de condução. Mas esta não é uma profissão que o orgulhe por aí além… Orgulha-o mais a relação com a cultura e a arte que tem vindo a nutrir, e que concretiza no seu projeto de turismo cultural – Sentir Património. Miguel Augusto fala com o coração sobre história, património, arte ou cultura, e por isso poder-se-ia pensar que é visceral a relação que tem com estas matérias e que sempre assim foi. Mas não. A descoberta destes interesses foi um acaso tardio na vida deste homem curioso. “Foi surgindo em função da corrente da vida”, que se dispôs a sentir e a seguir.
Tudo começou quando Miguel ”já era um cavalheiro velhote”, com “quarenta, trinta e tal [anos]”. Estava desempregado e foi contactado pelo Centro de Emprego para ser guia do Mosteiro de Pombeiro, ”Eu tinha uma certa vergonha de estar ali a receber as pessoas, elas a interpelar-me sobre coisas da história do monumento e etc., e eu não saber dizer nada. Então tornei-me o melhor cliente da Biblioteca de Felgueiras”. Uns meses mais tarde foi para Barcelona trabalhar como instrutor de condução, “em Barcelona o mundo é diferente (…) tem uma vida cultural em Barcelona que não tem cá. Geralmente aos fins de semana, quando eu não vinha cá, marcava uma tertúlia com um grupo de amigos e íamos conversar para um cafezito, e falávamos desde história de arte até economia, o que fosse”. Percebe-se que esta terá sido uma fase marcante da vida de Miguel Sousa. Foi quando em si começaram efetivamente a “fermentar” e a despertar “interesses que até ali estavam meio latentes ou adormecidos”. Foi também quando descobriu que a sua terra é o mundo inteiro, “Eu acho que para se fazer alguma coisa pela terra tens que ter um horizonte para lá da terra. (…) Porque se não, não consegues dar o devido valor a uma coisa que tens na tua terra se só conheceres aquela coisa, não conheceres outros termos de comparação.” Quando voltou de Barcelona, ofereceu-se à Rota do Românico para continuar a trabalhar como guia. Fez formações e estudou autonomamente para ser guia oficial da Rota, e o reconhecimento do seu trabalho levaram-no, mais tarde, a criar a sua marca pessoal de prestação de serviços como guia cultural.
Nunca lhe interessou especialmente fazer formação académica para o exercício do seu trabalho como guia cultural, “Em termos académicos o meu sonho era desde sempre ser astrofísico”. “Eu gosto muito de ouvir falar de cultura as pessoas que não são da área das letras (…) a malta das ciências é malta que olha para as coisas com uma perspetiva mais crítica e mais apaixonada.” Esta liberdade crítica que sempre teve fora do meio académico tem-lhe permitido conduzir as suas próprias investigações e ações, cruzando várias disciplinas. Como a literatura, por exemplo, através da organização de roteiros literários, como tem vindo a fazer com a Biblioteca Municipal de Penafiel; ou a matemática, através da disseção da planimetria geométrica das igrejas românicas, como pretende fazer a curto-prazo. Miguel não sabe “se é carisma, se é sorte”: “as pessoas que eu contacto tornam-se rapidamente minhas amigas. (…) E essa coisa abre-me portas e permite que haja partilha de informações.” Tem, assim, atualmente, uma vasta “rede de assessoria”, como lhe chama, composta por especialistas em história e património, com quem troca conhecimentos regularmente, e a quem recorre nos seus múltiplos questionamentos. Esta rede, aliás, tem-lhe permitido ir cada vez mais longe como guia cultural, não se limitando à área da Rota do Românico, a sua área geográfica de domínio técnico.
Quando lhe pergunto o que é que descobriu de tão cativante no Românico, responde-me que foi a simbologia. Peço-lhe um exemplo: “É fácil. Quando tu chegas a uma igreja, que está cheia de esculturas… A própria forma da escultura é uma forma muito naïf. Como dizia uma vez um jornalista catalão num documentário sobre o Românico catalão: a arte Românica parece uma arte de camponeses, ou seja de gente pouco habilidosa. Mas não é! Porque já nas épocas clássicas se esculpia com muita perfeição, os Romanos e Gregos faziam esculturas geniais. Porque é que na Idade Média, ou naquele período concreto da Idade Média se fazia aquele tipo de escultura tão deselegante? Porque provavelmente o que eles queriam era dar ênfase ao significado da coisa e pouca importância à forma da coisa. Havia uma subordinação da forma da escultura ao espaço arquitetónico. E portanto o que interessava era mesmo o significado. E o que é fascinante é, justamente, é tu estares dentro de uma igreja, veres uma série de esculturas e depois perceberes o que é que querem transmitir, e poderes fazer uma conexão daquilo à cultura medieval, às sagradas escrituras… Aos vestiários greco-romanos… Tudo isto para perceberes que diabo é que aquilo quer significar.” Acrescenta: “olhar para uma igreja românica é um exercício de reflexão e de raciocínio que me faz lembrar uma equação matemática.”
Preocupa-o a forma como em Portugal tratamos o nosso Património, “Quando se identifica um local com interesse paisagístico, histórico, cultural, etc., não há imediatamente uma ação de salvaguarda… deixa-se andar, e depois vai tudo à vida. Aqui em Portugal ainda vejo pouco essa preocupação.”A intervenção institucional é, na sua opinião, essencial até porque as comunidades geram ações opostas. “Primeiro, o governo ou os legisladores têm que prever legislação. E depois as autoridades locais têm que a aplicar.” Neste momento, até a legislação que temos não é necessariamente aplicada. Um exemplo bem local é, por exemplo, a vedação de algumas zonas de rio por privados, em Jugueiros, o que por lei não seria permitido. Também acha que a zona de Barrias, em Jugueiros, está numa situação de vulnerabilidade por não ser paisagem classificada e pela atual sobrevalorização, e olhando para a freguesia de onde é natural – Pombeiro – crê que aí a maior perda patrimonial é a destruição do Seminário de Santa Teresinha, “Isso converteu uma das paisagens mais bonitas de Felgueiras, numa imagem de cataclismo e destruição. A próxima talvez seja a casa de Valmelhorado.”
Quem eventualmente segue as redes sociais da marca Sentir Património sabe que a relação de Miguel Augusto Sousa com o património não se limita à arquitetura românica. Ele explica, “as paisagens de Montemuro, ou da Cabreira, ou de Jugueiros, ou da cumieira do monte de Pombeiro / monte de Santa Quitéria, o Rio Sousa… as tradições, a gastronomia que também é tradição, o modo de vida das pessoas, a forma como elas vivem, as histórias que elas contam, as cantigas que elas cantam, os trabalhos que elas fazem… Tudo isso é Património.”

PATRIMÓNIO FELGUEIRENSE

As escolhas de Miguel Augusto Sousa

ARQUITETURA/MONUMENTO:

DR André Moniz

Mosteiro de Pombeiro. “Não pelo aspeto físico, mas por todo o aspeto histórico por detrás. Este é sem dúvida aquele que tem um significado histórico mais marcante até pelo domínio que tinha sobre toda esta terra. Depois, tem uma característica muito peculiar que, na minha opinião, o valoriza, que é o facto de ser muito eclético do ponto de vista arquitetónico. Encontra-se ali Românico, encontram-se também elementos do Renascimento, elementos do Barroco e elementos do Neoclássico. Portanto, ali encontra-se toda uma viagem pela História da Arte, e tudo, diria, quase do melhor que há, nas várias fases da História da Arte.”

TRADIÇÃO:

Linho. “Uma tradição daqui, que estão a perder muito aqui, e que eu acho que se devia trabalhar muito nela. Foi uma coisa fundamental aqui e que agora se perdeu. Ainda houve até há pouco quem trabalhasse isso, mas já não há. Aqui em Felgueiras, penso que já não há.”

NATUREZA:

Barrias – Jugueiros Foto: André Moniz – Semanário de Felgueiras

Jugueiros, o Caminho das Levadas.

GASTRONOMIA:

Bolo com sardinhas. “Isto que se come aqui não se come em mais lado nenhum. Há uma variante, por exemplo em Celorico e noutros sítios, que fazem umas bolas mais grossas e umas sardinhas grandes no meio que vão para o forno assim, mas aquilo não tem o mesmo sabor.”

PERSONALIDADE HISTÓRICA:

Dr. Machado de Matos. “Porque foi o primeiro Presidente da Câmara depois do 25 de abril, e isso em si mesmo não é que faz dele uma pessoa por aí além, mas porque antes do 25 de abril se incomodou a liderar grupos de juventude, de estudantes, para criarem movimentos de resistência ao antigo regime.”

LENDA/TRADIÇÃO ORAL:

Lenda do Bom Jardim dos Coelhos. “Que envolve a Casa de Segude, mais conhecida como Solar dos Coelhos, em Sendim.”

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