O Bem da Terra é um projeto de educação para a sustentabilidade sediado em Vila Verde, Felgueiras. Já conta nove anos de existência, mas os primeiros anos foram de trabalho interno, essencialmente, num processo lento, como qualquer processo na Natureza, de desenho e definição. Hoje, com os primeiros frutos que se esperam das árvores do bosque do Bem da Terra, no próximo verão, este projeto afirma-se no espaço e sente-se, através dele, finalmente capaz de dar e criar ligações com o exterior. São quatrocentos metros quadrados de terreno cuidadosamente pensados e cuidados pelas mãos de Helena Sousa. Nascida e criada na freguesia de Vila Verde, viveu a sua infância e juventude no meio agrícola, tendo a avó como a sua “primeira e grande mestre”, a que lhe deu o gosto pela Natureza. Estudou Biologia na Universidade dos Açores e mais tarde concluiu uma especialização em Educação Ambiental. Foi na altura em que completava a sua especialização, que a Permacultura entrou e invadiu a sua vida. Hoje em dia Helena Sousa dedica-se de corpo e alma a esta disciplina, que é, como explica, “uma filosofia e uma ciência ao mesmo tempo, é uma forma de estar na vida”.
Helena é permacultora, faz design e consultoria em permacultura. A permacultura é a (agri)cultura da permanência, regida pelos princípios éticos do cuidar da terra, cuidar das pessoas, e de partilha justa. Esta é a fórmula encontrada para a existência humana em permanência, num determinado espaço e, quem sabe, no Tempo… A que nos obriga a “coexistirmos com a Natureza, em vez de nos impormos” sobre ela.

Na prática, um permacultor exerce a sua atividade de acordo com doze princípios práticos, que resultam, em primeiro lugar, num desenho. A capacidade de fazer desenhos é, de acordo com Helena Sousa, o que distingue um permacultor de outro agricultor qualquer. Enquanto mostra o desenho do bosque Bem da Terra, inspirado na folha de um carvalho, explica a extensão do pensamento permacultural à vida: “Este é o desenho deste espaço, mas o que nós queremos é desenhos de vida. Porque cada pessoa vai desenhar o seu espaço.(…) Em permacultura a gente trabalha por zonas: a zona zero, que é a zona mais próxima, a zona mais energética, aquela que nos dá mais trabalho, normalmente a gente considera-a a casa; depois a zona um é tudo o que anda à volta da casa, aquilo que nós precisamos todos os dias; e a zona dois já são as coisas que a gente só vai uma vez por semana; e depois a zona três, zona quatro… e a cinco é a zona selvagem, a zona em que nós não fazemos nada. (…) mas a zona zero pode ser o coração, e nós estarmos a criar camadas à volta do nosso coração.”. O desenho reflete, geralmente, um plano composto por um conjunto de soluções otimizadas, que resultaram da análise aprofundada do terreno e do seu entorno, pelo permacultor, e que vão responder não só às necessidades humanas, mas também às necessidades da Natureza, sobretudo às da terra. Para cumprir o princípio ético do cuidar da terra, mas também para otimizar o processo e tornar o bosque um sistema autossuficiente e fechado tanto quanto possível (já que nunca é fechado, porque a energia vem de fora), a permacultora tem incorporado na sua prática outras escolas, todas as que trabalham ou complementam a agricultura regenerativa: biodinâmica, sintropia… Toda uma profusão de conhecimentos conscientemente aplicados por Helena, nas suas palavras, “uma apaixonada por aprender coisas (…) principalmente quando fazem sentido e são palpáveis.”



No bosque Bem da Terra, tudo se torna palpável, nada é por acaso. Este bosque é uma sala de aula ao ar livre, onde Helena cumpre o grande intuito por detrás da criação do seu projeto: o de educar, ecoalfabetizar adultos e crianças. “O meu foco sempre foi a ciência, mas a ciência que pudesse estar ao serviço das pessoas e das comunidades”. “Ter isto [o bosque], as pessoas poderem vir aqui e poderem perceber como as coisas estão a funcionar, poder perceber a Natureza, acho que é o ponto de partida para a mudança que queremos. (…) Então a ecoalfabetização, o trabalho que fazemos é muito neste sentido de empoderar as pessoas a ler a Natureza, perceber o entorno, para poderem fazer mudanças. Para poderem levar estes conceitos para suas casas. Mais do que vender coisas eu prefiro ensinar a fazer.” Ainda trabalha com “um nicho de pessoas”, mas são cada vez mais os que a procuram, conta Helena Sousa. “Ainda estamos longe de uma consciência [coletiva], mas já existe a discussão sobre como podemos fazer diferente. (…) Nós abrimos as portas para mostrarmos como funcionamos.”
Os que ainda ficam à margem deste interesse pela mudança não lhe são indiferentes: “Há um princípio [permacultural] que eu gosto muito e que tenho estudado muito que é: usa e valoriza as zonas marginais. Estar na margem, não é estar à margem.” Tem tentado trabalhar este princípio de forma social, com a vizinhança. “Confesso que estou ainda muito aquém, porque efetivamente criar um bosque, criar uma floresta, por água no deserto é fácil, conhecendo os processos biológicos. As relações humanas são difíceis. (…) Cada um tem o seu objetivo e a sua forma [de estar] e eu não critico, mas, nós (…) podemos quebrar esta margem, não estar à margem, mas estar na margem e deixar que o outro também venha à nossa margem para podermos construir estas coisas maravilhosas.” Fala, em particular, da bem sucedida Feira Gastronómica Verde, que organizaram no ano passado em Vila Verde, por ocasião das festas em honra de São Mamede, e que incluiu um jantar maioritariamente vegetariano: “A margem implica isso. Termos uma feijoada vegetariana e um rojão ao mesmo tempo.”
“A gente semeia. Se vai germinar hoje, daqui a um ano, daqui a dez… Ou pode morrer também, pode não ter condições, pode apodrecer, simplesmente. Mas sentir que a pessoa levou a semente, é muito bom, muito gratificante.” Por isso vai semeando. Tem trabalhado com escolas, no âmbito do programa Eco-Escolas, com adultos e crianças que se inscrevem nas oficinas e formações da Escola Bem da Terra.
Neste momento, por exemplo, a escola tem em curso a Jornada da Permacultura, uma série de doze encontros, cada um dedicado à abordagem teórico-prática de um princípio permacultural. A propósito também do Dia Internacional do Desperdício Zero, assinalado a 30 de março, o último desses encontros aconteceu no passado dia 22 de março e foi dedicado ao princípio “evita o desperdício”. O foco esteve no entulho de obras, acumulado nas florestas. Depois de uma manhã dedicada à desconstrução teórica do princípio, a tarde foi canalizada para o saber fazer de técnicas de bioconstrução. “Fazer uma argamassa é fácil, e vemos construções dos romanos e tudo e elas estão de pé… As muralhas da China, as pirâmides… Eles não tinham cimento na altura, em termos de construção são [soluções] fiáveis e duráveis e acusticamente fantásticas.”, explica Helena.
Há ainda na agenda do Bem da Terra caminhadas sensoriais, que consistem em “levar as pessoas para a Natureza, não para fazer quilómetros e quilómetros, mas para demorar quatro horas para fazer três quilómetros (…) porque é para observar mesmo. É para descalçar, é para tomar banho no rio, é para desafiarmos as pessoas a estar efetivamente na Natureza.” Muitas vezes estas caminhadas são enriquecidas também pelas artes, através de um conto, ou da música. Costumam acontecer cerca de uma por estação, e, neste ano de 2025, serão todas pela Serra do Marão, a próxima já no dia 30 de março.
A agenda programática e outras informações sobre o projeto podem ser consultadas na página web ou nas redes sociais do Bem da Terra.
Mariana Costa