InícioCulturaOs rostos e a história por detrás da nova livraria de Felgueiras

Os rostos e a história por detrás da nova livraria de Felgueiras

“É preciso sair da ilha para ver a ilha.” Quem o diz é Luís Segadães. Adriana Sousa concorda. Não é por acaso que empregam esta frase. Serve-lhes de mote para nos contarem parte da sua história: a que vai desde uma estadia como trabalhadores emigrados na Alemanha, até à materialização do gosto partilhado pelos livros, literatura e Saramago, o autor desta frase.

Luís e Adriana são jovens, naturais de Felgueiras. Formaram-se em enfermagem e partiram imediatamente para Alemanha, onde trabalharam. A Alemanha não foi, contudo, para eles, tudo o que esperavam. Apesar dos incentivos monetários ao exercício da profissão nesse país, e do reconhecimento que tinham como profissionais, dada a sua excelente formação nas escolas de enfermagem portuguesas, a “experiência foi fria, foi como dormir no cimento”, conta-nos Luís. Ao fim de quase cinco anos, vendo a ilha fora dela, decidiram regressar a Portugal e à terra onde sempre viveram, Felgueiras.

DR Paulo Alexandre Teixeira

O regresso a  Portugal não significou para ambos o regresso à enfermagem. “Nós queríamos vir para Portugal, mas ser enfermeiro aqui não nos fazia sentido”, diz Adriana. Luís explica “não é que não faça sentido por desrespeito à profissão (…) mas os incentivos são péssimos, são terríveis, e a condição de enfermeiro em Portugal infelizmente é precária”.

Decididos a mudar de vida, e mais decididos ainda a permanecer “na ilha”, o jovem casal felgueirense acabou por abrir um pequeno negócio de comércio local, em Felgueiras. A ideia “não foi premeditada”, conta Luís. A Papier. livraria. papelaria. tabacaria. surgiu da junção entre o “útil” e o “agradável”. Útil, porque fazia falta uma papelaria junto da zona da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Politécnico do Porto, em Felgueiras. Agradável – e não inútil de todo! -, porque responderia também a um gosto dos jovens proprietários: o dos livros e da leitura.

Papier. é um nome alemão, que comporta a herança dos tempos vividos na Alemanha, onde, apesar de tudo, Adriana e Luís se tornaram ávidos leitores. Comporta também uma relação especial com o papel, resultado, talvez, dos nossos tempos, como refere Luís: “Eu acho que a nossa geração tem aquele efeito nostálgico. (…) vivemos tempos conturbados, maus, tempos muito maus, e a perspetiva é piorar, então queremos-nos agarrar às coisas do passado, para sentir aquele quentinho das coisas… Isso  vê-se na moda, por exemplo, as pessoas vestem-se como se vestiam há cinquenta anos atrás, puxam o passado para o presente para tentar ter aqueles dias de calmaria outra vez, que obviamente não vai acontecer, mas, eu acho que nós fazemos isso inconscientemente, e os livros é um bocado assim, o analógico, o cheirar o papel”. Para Luís e Adriana, a importância da dimensão física dos livros, estende-se também às relações: “há uma carência de contacto físico, de falar com a pessoa, ir comprar (…) e depois não tem nada a ver os conselhos que a pessoa recebe. Hoje em dia, se quiser comprar qualquer coisa e mandar vir da net, ou mesmo nas grandes superfícies, não me conseguem aconselhar da mesma maneira. E é frio, as relações são frias. Acho que há uma necessidade cada vez maior disso, de Comunidade”.

Os livros disponíveis na livraria são uma partilha de Luís e Adriana. Têm gostos de leitura diferentes, e cada um começou por escolher para a sua livraria os livros de que gosta. Na Papier., pode encontrar-se “um pouco de tudo”: livros de culinária, alguns bestsellers internacionais contemporâneos, uma pequena secção dedicada a literatura infantil e infanto-juvenil. Os clássicos da literatura, porém, não podiam faltar. Nas prateleiras há títulos de Fiódor Dostoiévski, Liev Tolstói, Franz Kafka, Gabriel García Márquez, José Saramago, Lídia Jorge, José Luís Peixoto, entre outros. Para Luís, os livros destes autores “são imprescindíveis”, e tratam-se de “autores, principalmente os portugueses, que merecem reconhecimento e têm que estar cá”. O que por lá não está pode sempre ser encomendado, salienta Adriana. Para já, trabalham essencialmente com grandes editoras, mas não excluem a hipótese de, no futuro, virem a trabalhar com o mercado independente de edição.

DR Paulo Alexandre Teixeira

As portas estão abertas a todos(as)! Os estudantes são particularmente bem-recebidos e considerados a preço especial. Há livros, material de papelaria – com marcas bem conhecidas como Mr. Wonderful e Legami -, serviços de impressão, encadernação e digitalização, um menu de café e um “cantinho do café”, onde as pessoas são convidadas “a sentar-se, a folhear uma revista, folhear um livro, tomar um café, estar um bocadinho”, sem ter que ”levar nada no fim”.

Para já, depois da recém-abertura do espaço no passado dia 8 de fevereiro, o objetivo é simples: “é que as pessoas comecem a conhecer, a entrar, a perguntar (…) não é que a pessoa entre e compre. É que a pessoa se sinta bem aqui”, diz Adriana Sousa.

Porque não é só do negócio que quer viver a Papier.. A Papier. quer ter e ser parte do sentido de comunidade perdido nos nossos dias, em que a cultura se afigura como arma. Nas palavras de Luís Segadães, “é mesmo importante investir na cultura. (…) A cultura traz empatia.” Como os livros, “os livros trazem empatia, porque uma pessoa num livro (…) sente na pele [as histórias dos personagens] porque está a ler e está a imaginar, e isso extrapola-se também para o dia a dia (…). Estes momentos de empatia são importantíssimos, e sinto cada vez mais que não existem. As pessoas estão a perder a noção de Comunidade… É o individualismo. Muito forte, mesmo. Nós queremos contrariar um bocadinho isso. As pessoas vêm aqui, conhecem-nos, conhecem-se e… isso é um local de Comunidade, também”.

Mariana Costa

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