Para assinalar este dia, nesta edição do ano de 2025, destacamos algumas estatísticas relativas a desigualdades de género respeitantes à divisão das responsabilidades familiares. O texto que as acompanha foi retirado do capítulo introdutório do Livro Branco do Projeto MERIT (1), e serve para guiar uma reflexão que se pretende, sobre o impacto social dos números que apresentamos. Os gráficos são da autoria de Ângelo Freitas.

Figura 1: Diferença entre o tempo médio semanal dedicado a trabalho pago e trabalho não pago pelas mulheres, em comparação com os homens.
Em Portugal, onde a maioria das mulheres trabalha a tempo inteiro e onde o padrão cultural de trabalho doméstico é intensivo (2), as mulheres trabalham mais 10 horas por semana, dedicando em média, relativamente aos homens, menos 2 horas ao trabalho pago, às suas profissões, e mais 12 horas ao trabalho não pago, que incluirá tarefas domésticas ou de assistência e cuidado a dependentes (3).
Portugal é o país da Europa onde mais mulheres realizam de forma intensiva (mais de quatro horas por dia) trabalho doméstico (36% das mulheres portuguesas) ou de assistência a crianças (50%), e onde a diferença entre mulheres e homens com este padrão de uso de tempo é maior (18 pontos percentuais e 30 pontos percentuais, respetivamente) (4). Assim, são as mulheres – e particularmente as mulheres portuguesas, no contexto europeu – quem mais frequentemente reportam conflitos entre a vida profissional e pessoal (5), maior injustiça na divisão do trabalho doméstico e de cuidado, e menor tempo dedicado a atividades sociais (4). Não obstante, os homens tendem a reportar pior sensação de equilíbrio entre a vida profissional e familiar e mais dificuldades na conciliação (3), factos que indicam que também eles sofrerão com as consequências da atribuição de papéis de género na divisão do trabalho, tendendo a ajustar as necessidades e responsabilidades familiares aos seus trabalhos e carreiras (3).

Portugal oferece uma licença parental única, e bem compensada, que não distingue entre maternidade e paternidade. A neutralidade de género na atribuição da licença é um elemento progressista, que introduz a possibilidade de partilha igualitária do tempo de cuidado à criança nos primeiros tempos de vida, sem discriminação de género. Na prática, a mobilização do pai para a partilha da licença parece, contudo, não estar ainda consolidada, nem como direito para os pais portugueses, nem como política de conciliação para a classe empregadora portuguesa (6). Esta última é muitas vezes ambígua na forma como encara as questões da conciliação, refletindo o modelo de organização do trabalho com maior expressão em Portugal: se por um lado este parece ser sensível e tolerante às questões da conciliação e da necessidade de partilha das responsabilidades parentais entre homens e mulheres trabalhadores, por outro lado orienta-se por uma lógica de racionalidade numérica/quantitativa e princípios de maximização da produtividade, eficiência e desempenho que valorizam a disponibilidade total do trabalhador ideal (7). Neste contexto, a perceção de penalizações em ambiente profissional é um fator de entrave ao exercício das responsabilidades familiares/parentais para muitos homens trabalhadores (8), o que se reflete numa partilha da licença parental entre o pai e a mãe aquém do seu potencial: as mães tendem a usar 80% do tempo da licença, enquanto os pais usufruem 20% (9). Importa não esquecer que, ainda que as culturas organizacionais sejam determinantes na mobilização do pai para a partilha da licença, outras variáveis podem ser igualmente ou mais importantes para a decisão de partilha da licença (6), nomeadamente o embate com as expectativas da família, assentes numa ainda enraizada visão tradicionalista dos papéis de género em Portugal, ou a falta de informação sobre como acionar medidas de apoio.
Mariana Costa
REFERÊNCIAS:
- Leão T, Maia AS, Perelman J, Moreno J, Lucas R, Dimka J, Pereira M, Mamelund SE, Severo M, Fraga S, Amaro J. Ter filhos afeta de forma diferente a vida pessoal e profissional de pais e mães? Livro Branco do Projeto MERIT – MothERhood Income inequaliTy. Porto: ISPUP, 2024.
- Wall, K., Cunha, V., Atalaia, S., Rodrigues, L., Correia, R., Correia, S., & Rosa, R. (2016). Livro Branco – Homens e igualdade de Género em Portugal. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego. ISBN 978-972-8399-75-7.
- Eurofound. (2021). European Working Conditions Surveys 2021 Questionnaire. https://www.eurofound.europa.eu/en/surveys/european-working-conditions-surveys/ewcts-2021/ewcts-2021- questionnaire.
- European Institute for Gender Equality (EIGE). (2022). Gender Equality Index 2022 – Portugal. https:// eige.europa.eu/gender-equality-index/2022/PT.
- European Institute for Gender Equality (EIGE). (2023). Unpaid care: around one-third of women and men struggle to strike a work-life balance in the EU. https://eige.europa.eu/newsroom/news/unpaidcare-around-one-third-women-and-men-struggle-strike-work-life-balance-eu?language_content_ entity=en.
- Leitão, Mafalda. (2018). Homens em licença parental inicial partilhada. A perspetiva do pai e da empresa [Tese de Doutoramento]. Universidade de Lisboa. https://repositorio.ul.pt/ bitstream/10451/34566/1/ulsd731955_td_Mafalda_Leitao.pdf.
- Casaca, S. F. (2016). Natalidade: a urgência do compromisso do mundo empresarial. In V. Cunha, D. Vilar, K. Wall, J. Lavinha, & P. T. Pereira (Eds.), A(s) Problemática(s) da Natalidade em Portugal. Uma Questão Social, Económica e Política (pp. 219-223). Imprensa de Ciências Sociais/Associação para o Planeamento da Família.
- Cunha, V., Atalaia, S., & Wall, K. (2016). Policy Brief II. Homens e Licenças Parentais: Quadro Legal, Atitudes e Práticas. ISBN 978-972-8399-73-3.
- Koslowski, A., Blum, S., & Moss, P. (2022). Leave Policies 2022. Leave Network. https://www. leavenetwork.org/fileadmin/user_upload/k_leavenetwork/annual_reviews/2022/Koslowski_et_ al_Leave_Policies_2022.pdf.