No passado sábado, dia 15 de fevereiro de 2025, a artista Joana Antunes inaugurou o seu atelier em Felgueiras – o Bioma Atelier.
Joana Antunes é uma artista plástica amarantina, nascida em 1979. A sua obra inclui trabalhos de pintura, desenho, ilustração e escultura cerâmica, sendo, atualmente, reconhecida nos circuitos de arte regionais, nacionais e internacionais.
O seu recém-inaugurado atelier ocupa uma pequena loja na rua Costa Guimarães, em frente ao espaço Passado, Presente e Futuro, no centro da cidade de Felgueiras. A caixa de correio é a única pintada na rua, e no lugar do letreiro, as palavras foram substituídas por quatro paletas de cor, também elas pintadas.
Na maior vitrina da montra, pode ver-se, atualmente, uma interpretação em desenho a carvão vegetal da lenda de Santa Quitéria, acompanhada de um texto sobre a mesma lenda. Esta montra servirá como janela das vontades de Joana Antunes, e foi pela história que a artista decidiu começar, invocando-a, como diz, “as vezes que forem necessárias, como referências, exercícios e reflexão para um hoje e amanhã melhores”.

No dia da inauguração cabem no interior do pequeno atelier algumas obras, os familiares e amigos de Joana, bem como alguns curiosos. O atelier inclui uma área principal contígua com a entrada, e mais duas salas, que se revelam por detrás de uma porta onde está pintado o Olho da Providência.
Na primeira sala, escura, projetam-se duas vídeo-artes do artista Bonioso, “El hombre del sombrero” e “O Homem de Costas”. Pela esquerda, acedemos a uma segunda sala, pequena e clara, onde a cor se estende da tela pintada, ao chão, às paredes e objetos, e à qual Joana chama a “Sala dos Poetas”. Numa das paredes, sob uma abertura retangular onde estão várias ferramentas de manufatura artística, está escrito “A Cultura é uma Arma, Usa-a”.

Esta sala será, talvez, uma boa representação do espaço que quer ser o atelier Bioma: um espaço onde se acredita que “Todo o Homem é um Artista” (Joseph Beuys, 1970s – frase reiterada por Joana no seu discurso de inauguração) e que, por isso, quer acolher todos, acolhendo-nos a nós, também, para uma breve conversa com Joana Antunes.
SF Jornal (SF): Começando pelo nome do atelier, decidiu chamar-lhe Bioma. Parte de um conceito ecológico, mas também muito ligado à comunidade. Isto quer dizer alguma coisa sobre a função, sobre o que este espaço quer ser?
Joana Antunes (JA): Quer. Eu passo até explicar. É assim, um bioma é um ecossistema vivo onde coexistem diversos elementos em equilíbrio que se influenciam mutuamente. Pronto. Então esta ideia expande-se para o universo artístico. Pretende-se que este espaço seja um lugar de pluralidade, com o cruzamento de diferentes linguagens plásticas, onde a criação individual possa encontrar ressonância no coletivo, e onde o público se possa tornar também parte ativa deste equilíbrio dinâmico. Um bioma de ideias, cores, formas e sentidos. Ou seja, desta maneira encontramos aqui o nascimento de um atelier de trabalho, não é… um lugar de experimentação artística, com um objetivo que vai muito mais além do que a criação individual. Pronto. Será um território de formação artística, de produção e curadoria, também, de mostras, exposições, diálogos, discussões… sempre com um olhar aberto às dinâmicas orgânicas da arte e à transformação social e cultural.
SF: Portanto, é um espaço de trabalho da Joana, de criação artística, vai ser um espaço também de exposição…
JA: E aulas de artes plásticas. Trazer também à comunidade outras dinâmicas, não feitas só por mim, workshops, entre outras atividades que façam sentido para acrescentar novas linguagens… A minha intenção é ir aqui ao encontro das várias faixas etárias sociais. As pessoas têm é que ser autónomas. Por isso, dos seis anos aos noventa e nove.
SF: E terá a porta do seu atelier aberta para as pessoas a virem procurar com esse intuito?
JA: Sim. E para aquilo que for necessário. O que eu puder ajudar.
SF: Ok. E portanto aqui haverá espaço para outros artistas,quer aqueles que já têm trabalhos e que poderão expor aqui eventualmente, quer para aquilo que eventualmente se possa produzir com as pessoas que também vão passando por este espaço, é isso?
JA: Sim, para qualquer pessoa. Não tem que ter a pretensão de ser artista, qualquer pessoa que queira experimentar… O ser artista é outra coisa. Estas experiências são sempre muito importantes e muito construtivas porque obrigam-nos – não de uma forma obrigatória, não é – o exercício em si, já nos traz aqui a conexão com práticas e vamos sempre aqui buscar fontes de inspiração, ou seja, nós estamos aqui num jogo constante entre o passado, o presente e o futuro. E é isso que nos interessa. E reflexão, também.
SF: Joana, este é o seu primeiro espaço… O seu primeiro atelier.
JA: Fora de casa, sim!
SF: Até agora tem trabalhado em casa?
JA: Sempre.
SF: Porquê este espaço agora na vida da Joana, em termos pessoais e profissionais? E porquê este lugar?
JA: Eu vivo em Felgueiras há dezanove anos, e já tinha identificado nesta cidade… eu venho de Amarante, venho de uma cidade que desde sempre fui habituada a ir a museus, também porque gosto e porque aprecio. E uma cidade com tanta indústria, faz-me… Não chega, não chega. Acho que é uma cidade que para mim era muito vazia, chegava ao fim de semana e tenho de sair sempre daqui porque preciso de ir buscar outras coisas. E há relativamente poucos anos a cidade de Felgueiras está a investir em desenvolver outras dinâmicas e outros espaços culturais, aliás eu já tenho trabalhado com o município. Trouxe cá no ano passado o festival de cinema de animação, com umas dinâmicas diferentes. Foi muito interessante, muito construtivo, e… eles também têm contactado para na Praça das Artes para fazer workshops, e é um grupo político na área de cultura que estão abertos e recetivos a novas iniciativas. Isso é muito importante. Mesmo.
Eu inicialmente pensei em abrir em Amarante, o espaço, mas passado algum tempo, depois de fazer a prospeção, achei que… vi aqui este espaço e não pensei duas vezes. E disse: não, vai ter que ser em Felgueiras, e vou investir em Felgueiras porque é a cidade onde eu vivo, e é a cidade que faz para mim sentido também poder acrescentar outras coisas.E foi por aí.
SF: E é um marco na sua carreira profissional, de certa forma…
JA: É continuar. Espero que abra portas para outras pessoas também.
SF: Que desafios e oportunidades antevê com a criação deste espaço?
JA: É um contíguo caminho… É. Não vou fazer aqui projeções de grandes futuros e de altos voos. Quero levar com discernimento cada dia, ir conquistando com… com estrutura, pronto. Estas áreas têm que ser sempre muito bem pensadas e bem estruturadas. Não se construiu Roma num dia, não é? E estas áreas também nunca é um dia, uma vida é pouco. Uma vida às vezes é pouco para saberem de nós. Muito com o eco do resto, não é? [Risos] Por isso…
SF: Está recetiva ao que vier…
JA: Sim. Estou ciente do que quero e do que não quero, minimamente, por isso… É-me um lugar, não é 100% confortável, mas faz todo o sentido. Mesmo.
SF: O projeto também quer ter um impacto comunitário, certo?
JA: De transformação social e cultural.
SF: E o que é que leva uma artista a querer ter esse propósito mais, ou seja ter mais esse propósito para além do de criar?
JA: Várias coisas. Os artistas têm uma parte do processo do trabalho que é muito individual, que é a parte da criação e o estudo que antecede a obra em si, não é, o objeto ficar formalizado, preparado para estar exposto nos devidos lugares – museus, galerias, onde quer que seja digno para esse efeito. E… Isto aqui já é um caminho que eu tenho vindo a fazer, e penso que nunca é demais também mostrarmos que não há impossíveis, não é? Que é possível sermos artistas, que o artista não é um desgraçado da sociedade, pelo contrário, é alguém que também faz a diferença… Somos uma minoria, mas ainda bem, é o que tem que ser, e acredito que em comunidade, criar uma comunidade pode mesmo fazer a diferença. Porque sozinha eu não sou nada, nem ninguém.
SF: Portanto, isto até para inspirar novos artistas, não é, pessoas com essa vocação…
JA: Completamente.
Na área principal do atelier, Joana instalou, no centro, um conjunto de mesas baixas com folhas de papel brancas, lápis de carvão e lápis de cor, convidando os seus visitantes – miúdos e graúdos – a deixarem-lhe uma recordação da sua passagem. Nesta sala dispôs também uma pequena mostra do projeto “Interseccionismo”, projeto que resulta de uma colaboração com o escultor amarantino Fernando Barros, artista amarantino, também presente na inauguração.

Joana Antunes e Fernando Barros colaboram há três anos como “artistas, curadores, amigos e transformadores sociais”, como nos contam, e têm exposto as suas obras em conjunto, em vários locais do país (incluindo em Felgueiras, na Galeria Piso Dois da Escola Secundária de Felgueiras.
Para além da vertente expositiva, têm procurado sempre envolver o seu público, através de “dinâmicas” como workshops ou outros exercícios. Nas palavras de Joana Antunes, a ideia é “desconstruir” “a ideia estereotipada” da prática artística, porque, refere, “as pessoas ainda estão muito renitentes a estes exercícios, parece que as artes e a cultura acabam por ser um bicho-papão”. Por isso, os artistas entendem como sua missão a de educar, “levar isto às pessoas””para elas se irem habituando.Temos que criar o hábito para a pessoa depois sentir alguma necessidade(…) (que)até então desconhecia.”
Cada exposição de Joana Antunes e Fernando Barros “é sempre diferente (…) porque há sempre uma rotatividade, há sempre trabalhos que vão sendo adquiridos por investidores, (…) há outros novos que vão entrando” e, por isso, “isto é um projeto dinâmico e sempre em aberto, em constante mutação e diálogo”.
Os diálogos que os artistas têm encontrado entre as pinturas de Joana e as esculturas de Fernando são múltiplos. Às vezes sobre cor, outras vezes sobre forma… mas, como em tudo o que fazem e como artistas que são, criatividade é o que não lhes falta, nem para os seus trabalhos, nem para a curadoria dos mesmos.
No projeto “Interseccionismo” os diálogos são “mais metafísicos”, revela Joana. Bonioso descreve-o como “Um diálogo de expressões e sensações”. Cada tela entendida como “ar”, cada escultura como “terra”, estas são as “premissas para a criação de um universo (…) onde mitologias se cruzam e coabitam”, e se concretizam na relação estabelecida entre cada obra e o espetador.
Se as “peças já dialogam (…) agora precisamos é das pessoas para dialogar.”, diz Joana Antunes. Para que a exposição possa ser o que, nas palavras de Bonioso, se espera que seja: “uma experiência coletiva num mundo que alberga toda a gente e todos se sentem representados.”
A exposição “Interseccionismo” de Joana Antunes e Fernando Barros poderá ser visitada no atelier Bioma durante um mês, desde 15 de fevereiro de 2025. Durante o mesmo período, podem ser vistos no atelier as vídeo-artes de Diogo Bonioso em exibição, bem como outros trabalhos da autoria de Joana.
Mariana Costa