Com apenas 25 anos, Francisca Figueiredo é um exemplo inspirador de como as paixões da infância e a curiosidade pelas artes podem guiar um percurso repleto de descobertas.
Foi nas pinturas do pai e do avô que descobriu o poder do lápis, tendo encontrado a admiração pelo desenho. Desde pequena, dividiu-se entre diversas ambições profissionais, de médica a pintora e de poetisa a arquiteta, alimentados por uma infância rodeada de influências criativas.
Hoje, após uma formação na área e experiências marcantes na Suíça, Francisca dedica-se à arquitetura, um campo onde consegue unir as múltiplas áreas que a fascinam na vida. A jovem felgueirense esteve à conversa com o SF, trazendo a sua história de vida para mais uma rúbrica sobre as nossas gentes.
Onde conheceste o gosto pela arte?
Desde muito pequena fui contactando com a arte nas suas diversas formas. O meu pai e o meu avô pintavam como passatempo, o meu avô fazia quadros a óleo e o meu pai aguarelas, então, desde pequena, sempre me incentivaram a pegar no lápis e a desenhar.
Para além da influência familiar, uma amiga de infância teve um papel importante, conhecia-a num parque, como as crianças se conhecem, e mais tarde os nossos pais puseram-nos na mesma escola. Na altura, a Ana Almeida, já estudava no Conservatório de Felgueiras e acabei por também ir estudar música, foi uma parte muito marcante da minha infância. Essas duas coisas foram as influências basilares que me fizeram gostar de arte!
Estes dois fatores foram essenciais para também te encontrares na arte?
Isso já é uma história diferente! Desde muito cedo sempre gostei de desenhar, mas não era premeditado, era subconsciente, quando somos crianças fazemos o que gostamos. Foi uma coisa que se foi construindo ao longo do tempo, porque desde gostar de desenhar até ser arquiteta, vai uma diferença [sorri]. Não foi uma coisa imediata, foi se calhar o absorver de muitas coisas à minha volta.
Das várias artes que foste praticando, o desenho era o que mais te fascinava?
Era! Mas é difícil dizer que o preferia às outras coisas, porque também adorava o conservatório. Só que entre estudar piano uma hora todos os dias ou desenhar, acabava por escolher o que me dava menos trabalho e era mais intuitivo.
No fundo, sentia que desenhar não era uma coisa difícil para mim, não era uma tarefa. O conservatório era muito mais do que estudar música, era todo um ambiente de aprendizagem e os professores foram muito marcantes na minha vida.
Tendo um percurso marcado pela arte, como é que decides que gostarias de vir a seguir medicina?
Quando um aluno tem boas notas é esperado socialmente, muito devido também à parte económica, que essa pessoa siga um determinado caminho. E de facto, não é que esse caminho não me interessasse, eu adorava biologia, química, matemática, mas também fiz um balanço.
Aqui em Felgueiras não havia tanta oferta em cursos artísticos, se quisesse ir para uma boa escola de artes, teria que sair da cidade e tudo isso implicava dinheiro e era uma grande decisão. No fim, acabei por fazer o curso de ciências e tecnologias no secundário, por ser mais abrangente, e depois poderia seguir uma vertente artística se assim quisesse, o contrário, já não era possível. Na verdade, também gostava de medicina, mas na altura de decidir, e de me sentar sozinha, percebi que não era bem o que gostava de seguir.
Mudas de ideias e percebes que o que realmente gostarias de seguir, tinha muito das artes que foste explorando. Porque arquitetura?
Arquitetura é uma área que abrange muitos domínios. Uma pessoa, para ser arquiteta, tem que ter outras valências, como saber escrever, saber analisar textos, conhecer a história, saber geologia, saber sobre proporções, saber medir, fazer cálculos. Por ser uma área tão abrangente, era o que eu gostava.
Óbvio que só fui percebendo isto com o tempo e na altura foi uma decisão subconsciente, mas achei que fazia sentido, sabia muito pouco de arquitetura e apenas conhecia alguns arquitetos por influência do meu pai, como o Eduardo Souto de Moura e o Álvaro Siza Vieira. A curiosidade de saber como se fazia uma estrutura, um edifício, uma casa, estava lá.
A Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, foi a tua casa de formação, instituição que também te permitiu realizares Erasmus na Suíça, um país com uma oferta educativa muito valorizado na área. Como é que foi essa experiência?
Esta experiência incrível que tive não foi só Erasmus, porque depois fiquei na Suíça por iniciativa própria a estagiar. Acabei por ter esta experiência internacional em época pandémica. Fui para Mendrisio, que fica no cantão italiano da Suíça e tem uma universidadede arquitetura muito conhecida. A residência universitária onde estava, local onde conheci imensas pessoas de outros países, assim como outras culturas, e essa foi a parte que mais gostei, aprender com pessoas de outros sítios, isso foi o mais fascinante e acho que é onde se aprende mais. Mas aquilo que ambicionava, era mesmo ir para a parte alemã da Suíça porque as oportunidades de trabalho são incríveis.
O meu plano era, no fim do ciclo de Erasmus, enviar portfólios e ir para Zurique, e assim foi. O primeiro escritório onde trabalhei foi em Milão, onde realizei um concurso, e depois fui para Zurique onde estive um ano e meio.
O modus operandi deles é impressionante! Foram anos muito felizes, viajei imenso, foi das alturas que mais gostei da minha vida. Só o facto de visitar lugares novos, é muitíssimo importante na arquitetura, porque acredito que só conseguimos aprender quando vemos e estamos perto dos edifícios. As viagens foram um grande ponto de aprendizagem, para além de ter trabalhado em vários escritórios e em vários contextos, fiz imensa coisa e tudo isso foi um motor, uma alavanca gigante de conhecimento.
Atualmente encontras-te a realizar o estágio de admissão da ordem dos arquitetos, cada vez mais tens a certeza que o teu caminho passa por aqui?
Agora sim! Estou a fazer o estágio da ordem e decidi fazê-lo num gabinete português, podia tê-lo feito na Suíça mas quis experienciar o panorama da profissão em Portugal. Estou a aprender imenso [com brilho no olhar]. Tive uma oportunidade incrível de poder trabalhar com o arquiteto Eduardo Souto de Moura, e acho que fiz muito bem em fazer este estágio cá em Portugal, porque estou num sítio onde de facto consigo ganhar experiência. Aprecio muito o trabalho que faço!
Arrependeste-te de ter trocado a área da saúde pelo desenho?
Não, cem por cento que não. Acho que ia sofrer mais nesse curso e nessa vida profissional, se calhar não me ia divertir tanto, ou ia estar constantemente a pensar, e se eu tivesse seguido arquitetura?
O que dirias à Francisca pequenina que não imaginava que o seu caminho passaria pela arquitetura?
Aconselhava-a acima de tudo a seguir o seu instinto, que muitas vezes está certo, e dizia-lhe para fazer sempre o que gostasse, porque não vale a pena termos um trabalho que não nos realize. Nós passamos 8 horas por dia a trabalhar, se for oito, porque na arquitetura fazemos horas extra [sorri]. 8 horas por dia, todos os dias da nossa vida, a fazer uma coisa que não gostamos, para mim, não é um pensamento plausível, e se o trabalho é algo com tanto peso na nossa vida, que seja algo onde estejamos felizes.
Rui Morais