Quem nunca se sentiu frustrado numa fila de supermercado, na fila da padaria ou no centro comercial? Estamos lá, inicialmente tranquilos, mas com o passar dos minutos, a irritação cresce dentro de nós. Olhamos para o relógio, mexemos nos pés, soltamos suspiros audíveis, como se todo o mundo estivesse contra nós naquele momento. Sentimo-nos vítimas de uma espera interminável. Mas será que alguma vez paramos para pensar no lado humano desta equação, nas pessoas que estão a trabalhar arduamente do outro lado do balcão?
Existe uma clara dicotomia mental na forma como lidamos com a espera. Curiosamente, quando estamos num consultório médico ou numa fila do banco, aceitamos a espera com a maior serenidade. Há uma compreensão coletiva de que esses são locais onde a demora faz parte do processo. Sentimos que não há outra alternativa e, por isso, resignamo-nos. Mas, por outro lado, em situações de consumo, seja num supermercado, num café ou numa loja de roupa, a paciência é frequentemente descartada. Queremos ser imediatamente atendidos, como se estivéssemos num jogo onde o serviço rápido fosse a única medida de sucesso. Esquecemos que, por detrás de cada sorriso cansado ou de cada olhar apressado, está um ser humano que, como nós, tem os seus próprios limites.
Imaginemos, por exemplo, uma típica fila de supermercado. O cliente à nossa frente tem uma quantidade considerável de produtos no carrinho. Um deles não tem código de barras, o que obriga a operadora de caixa a chamar um colega para resolver a situação. O sistema informático é lento e, para culminar, o cliente ainda hesita entre pagar com cartão ou em numerário. A nossa frustração aumenta. Parece-nos que o tempo parou e, com ele, a nossa paciência. No entanto, será justo direcionar essa frustração para quem nos atende? Será que esquecemos que aquela pessoa, muitas vezes em pé durante horas, está a fazer o possível, enfrentando problemas técnicos e humanos, numa tentativa genuína de garantir que tudo corre bem?
O mesmo sucede no centro comercial, na fila para experimentar roupa. Os empregados, por vezes jovens, correm de um lado para o outro. A fila cresce, os provadores enchem-se e o caos instala-se. Não têm mãos a medir, organizam tamanhos, dobram montanhas de roupa e tentam manter a ordem, enquanto, lá, no fundo, tentam controlar o cansaço físico e mental. Não é raro vermos olhares impacientes dirigidos a estes trabalhadores, como se a sua lentidão fosse deliberada. Mas será que nós, consumidores, compreendemos que, por mais que tentem, há limites que simplesmente não podem ultrapassar?
Esta dicotomia da paciência é um reflexo profundo do nosso comportamento em diferentes contextos. Nos serviços essenciais, onde reconhecemos a gravidade e a complexidade das situações, somos capazes de esperar. No entanto, nos ambientes de consumo, onde esperamos gratificação imediata, a paciência esgota-se a uma velocidade alarmante. Exigimos perfeição e eficiência, como se as pessoas que nos servem fossem meros autómatos, desprovidos de sentimentos ou necessidades.
Olhando para esta questão sob a lente da “psicologia”, fica claro que projetamos as nossas frustrações em cenários onde o prazer e o consumo são a prioridade. Afinal, numa fila de supermercado ou à espera de uma mesa num restaurante, o nosso objetivo é apenas conseguir o que queremos no menor tempo possível e quando isso não acontece, parece que a nossa frustração encontra logo um alvo e esse alvo é o trabalhador que, na nossa perceção, está a demorar demasiado. No entanto, se prestarmos um pouco mais de atenção, percebemos que não se trata de falta de vontade.
Que tal, da próxima vez que estivermos numa fila, pararmos um momento e refletir? E se, em vez de focarmos a nossa frustração na demora, tentarmos olhar para a situação com compaixão? Talvez consigamos entender que a paciência não é apenas uma virtude esquecida, antes, um ato de humanidade. Porque no final do dia, somos apenas pessoas, a tentar fazer o nosso melhor num mundo que, muitas vezes, nos pede o impossível.
Jorge Miguel Neves