Depois de quatro Projetos de Lei, dois dos quais alvos de declarações de inconstitucionalidade (cfr. Acórdãos n.º 123/2021 e n.º 5/2023), foi aprovada a Lei n.º 22/2023, de 25 de maio, que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal. A lei foi promulgada em 16 de maio de 2023 pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas aguarda ainda regulamentação e o prazo terminará em outubro. Trata-se da primeira lei portuguesa sobre esta matéria, que estabelece que “a morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente”.
Segundo alguma imprensa, o CDS PP, parceiro na AD, tem tentado e bem, bloquear essa regulamentação, parece que o CDS ainda é dos poucos partidos políticos conservadores que valoriza a vida acima de tudo, não entrando em jogos políticos nem troca de favores para conseguir mais uns votos nas urnas.
Para os lados da “canhota”, a aprovação da eutanásia, foi um marco histórico, uma vitória em nome da “autonomia e da dignidade humana”. Mas, será que a escolha de pôr fim à própria vida pode realmente ser considerada um avanço? Para mim, esta decisão não representa uma conquista, mas um retrocesso perigoso. Enquanto conservador e defensor incondicional da vida, acredito que a eutanásia abre um precedente sombrio que desafia a própria essência da dignidade humana.
Vivemos numa sociedade onde a liberdade individual é celebrada, mas até onde deve ir essa liberdade? Podemos transformar o direito à vida, o valor mais sagrado e fundamental, numa questão de escolha? A eutanásia promete uma saída rápida para o sofrimento, mas a que custo? Coloca em causa o próprio valor da vida humana, reduzindo-o a algo que se pode dispensar quando se torna incómodo ou doloroso.
Recorrendo a Immanuel Kant, um pensador cuja ética moral nos desafia a refletir sobre as nossas ações de forma mais profunda, defendo que a moralidade não está nas consequências, mas nas intenções. E a intenção mais pura é a de agir por dever, em respeito à dignidade da vida humana. Kant coloca-nos perante um princípio poderoso: devemos agir segundo máximas que possam ser transformadas em leis universais. Ora, pergunto: podemos considerar o ato de pôr fim à vida como um princípio que desejamos ver universalizado? Se todos encarassem a morte como uma solução aceitável para o sofrimento, onde estaria o respeito pela vida?
Além disso, Kant recorda-nos que devemos tratar a humanidade, em nós e nos outros, sempre como um fim, nunca como um meio. Mas ao aceitarmos a eutanásia, é exatamente isso que fazemos: transformamos a vida num meio para escapar ao sofrimento. Deixamos de ver a pessoa como um ser dotado de dignidade intrínseca, para a reduzir a algo dispensável.
A eutanásia coloca-nos numa encosta escorregadia. Hoje, permitimos que a pessoa termine a sua própria vida por sofrimento, mas amanhã quem decide o que é “sofrimento intolerável”? Onde traçamos a linha? Ao aceitar esta prática, arriscamos desvalorizar gradualmente o princípio universal de que toda a vida tem valor, independentemente das suas circunstâncias.
Jorge Miguel Neves