Percebendo hoje, como se ontem ou anteontem fosse, ou então há mais anos atrás, nomeadamente nos finais da década de sessenta, quando o que mais queria era ser jornalista, e que tal só não foi possível devido aos fatos de não ter estudado e por desde os doze anos ter arranjado um emprego que tal não me permitia, o qual me condenava à prestação contínua de um trabalho diário de oito horas seguidas, das catorze às vinte e duas horas da noite, sendo que nessa época, quando o estudo noturno nasceu, esse só podia ser praticado das 19 às 22 horas, portanto dentro de uma espaço temporal em que me encontrava no exercício de funções laborais.
Porém, hoje, com os problemas que o jornalismo de formato de papel está a atravessar, dir-se-á que se algo fiquei a perder foi pouco, porque à luz da realidade porque passa a imprensa escrita, por certo que me encontraria agora numa fase final de vida profissional pouco encantatória.
No ano de 1969, tão só com a idade de dezasseis anos e poucos meses antes de um ato eleitoral para a Assembleia Nacional – (hoje Assembleia da República) -, dando já sinais da futura intervenção política que acabei por ter durante cerca de três dezenas de anos, fiz, organizei e ajudei a organizar a primeira greve numa grande empresa do ramo têxtil existente em Felgueiras, onde ao lado de meia dúzia de activistas de ocasião e à frente de algumas mulheres e homens do segundo turno, conseguimos parar várias secções, com repercussões também significativas nos primeiro e terceiro turnos, particularmente neste último onde o resultado verificado foi deveras marcante.
Num panorama de vida política e social onde era proibido fazer greve, a luta dos trabalhadores da “BELCOR” teve eco nacional e por ter acontecido tão perto de um ato eleitoral que se encontrava marcado e aconteceu no mês de Outubro, originou que, de imediato, os holofotos da política nacional mostrassem alguma preocupação pelo que estava a acontecer em Felgueiras.
De repente as represálias fizeram-se sentir, com a GNR a comparecer, a ocupar e a rodar durante dias as instalações, na busca de poder vir a recolher sinais exteriores de ajuda aos grevistas, o que nunca conseguiram, por tal greve ter nascido e ter sido organizada por atos espontâneos de alguns trabalhadores, os quais francamente indignados por naquela época se pagar tão pouco aos trabalhadores do terceiro turno, mais o ficaram quando souberam que esses, com um trabalho mais penoso e possuidores de famílias mais numerosas, foram alguns daqueles que obtiveram menores aumentos, com a agravante de, à época ainda se não encontrar instituído qualquer suplemento remuneratório para o desempenho do trabalho noturno.
Aí, na “BELCOR“, o meu sonho era ser “Pesador”, um cargo nunca conseguido, porque na decorrência da referida greve, eu e mais três de uma dezena de ativistas, acabamos por ser despedidos, sendo que à época ainda não havia no país qualquer programa social, a título de Desemprego.
E naquele tempo, constituindo qualquer greve uma afronta ao regime, a dos trabalhadores da Belcor foi muito falada e muito vasculhada no país, tendo causado algumas irritações e inquietações dentro do governo.
Nos dias seguintes, a rodar as instalações da “BELCOR” eram mais que muitos os homens da GNR, mas mais que estes aqueles que à paisana circulavam junto e em redor das instalações, particularmente na principal rua de acesso às instalações fabris, mas também no centro da Vila, junto aos locais (cafés e livraria) onde já com algum cuidado não raras vezes se falava de política.
Tendo em conta que o espaço territorial onde durante muitos anos funcionou a “BELCOR” marca os dias do fim de uma situação caótica muito dolorosa e por demais prolongada e que brevemente vai receber uma requalificação de monta e a execução de um projeto de incomparável valor económico e social para a cidade, o concelho e a região envolvente, com a criação de centenas de postos de trabalho, achei por bem escrever e dedicar este escrito a todos os trabalhadores que passaram pela BELCOR, saudando-os num abraço fraternal, por, finalmente se encontrar implantada a primeira pedra de um empreendimento comercial que irá assegurar nova vida e mais riqueza para muitos dos presentes e futuros trabalhadores de Felgueiras.
José Quintela