Desde que tomou posse o novo governo de Luís Montenegro, todas as semanas os seus ministros apresentam propostas e soluções para os problemas do país. Este Governo tem um projeto para o país e não tem receio de concretizar aquilo que propôs no seu programa eleitoral.
Na semana passada as Tv´s abriram os telejornais com a ministra da Justiça, Rita Judice a apresentar um pacote de 32 medidas contra a corrupção e com o polémico caso das buscas da PJ na Câmara de Oeiras por causa dos almoços de trabalho de Isaltino Morais e que estará em causa prevaricação, abuso de poder e peculato.
Ora, sem querer associar uma noticia à outra, o que parece é que “vende” mais o assunto do arroz de lavagante e Pêra Manca do que propriamente o tema tão essencial como é a luta contra a corrupção. Até podem não estar diretamente relacionados, mas o que está em causa é a ética, a correção nos comportamentos e a atitude perante a “coisa” pública. E aí, urge atuar.
Montenegro defendeu um combate sem tréguas à corrupção, por esta ser “um cancro que mina a democracia” e depois de negociar com os vários partidos, o governo avança com uma “agenda anticorrupção”.
Onde se destacam medidas como a perda alargada de bens a favor do Estado (medida que visa combater o enriquecimento ilícito e evitar que fiquem com o produto do crime), a regulamentação do lobby, lista negra de fornecedores do Estado para efeitos de contratação pública e por forma a impedir contratos com o Estado, um canal de denúncias único de todo o governo e a proteção dos denunciantes, rever o regime de recursos para que não seja utilizado como um expediente e evitar que a fase de instrução e os processos se arrastem durante anos e propõe o agravamento da moldura penal (agravamentos das penas de proibição do exercício de funções públicas ou politicas).
O governo assentou a sua agenda em 4 pilares: a celeridade, a punição efetiva, a prevenção e a proteção do setor público. Deseja-se que tenha sucesso nesta luta.
Já os cerca de 140.000 euros gastos em almoços de trabalho de uma das 308 câmaras do país, o presidente Isaltino Morais considera “normais”.
A despesa foi feita em 6 anos (entre 2017 e 2023), o que dá uma média de 23.000 euros por ano, quase 2.000 euros por mês e o presidente que está sujeito a escrutínio (como todos os outros) diz que “ainda há quem fique deslumbrado com lavagante e com uma garrafa de vinho “banal” que custa apenas 55 euros” e defende que faz parte da vida administrativa.
Pois bem, discordando em absoluto destas declarações, primeiro porque revelam uma falta de respeito pelos portugueses, porque tenho a certeza que 90% da população nunca comeu arroz de lavagante nem bebeu um copo de vinho Pêra Manca (nem branco nem tinto) e, ainda que o faça, terá que ter dinheiro para pagar a conta no final do almoço.
Segundo, é lamentável a intervenção do autarca na Assembleia Municipal, onde fez num tom irónico um roteiro gastronómico de 52 restaurantes, num local onde tem por obrigação respeitar a oposição e prestar contas aos munícipes.
Entendo que situações destas são maus exemplos de abuso de confiança das pessoas, dos contribuintes e a utilização dos dinheiros públicos deve ser, por um lado criteriosa e não se destina, de forma alguma, a estas atividades.
A irritação do autarca contra o órgão de comunicação social que tornou público o assunto foi evidente, mas convém lembrar que os executivos municipais são e devem ser escrutinados e tem obrigação de prestar contas (até em instituições privadas há regras para essas despesas) e essa é uma das funções da comunicação social.
Já se entenderem comer arroz de lavagante e beber vinho Pêra Manca que o façam com o salário que recebem e as ajudas de custos que a grande maioria usufrui.
O que está em causa muitas vezes não são os valores (apesar de eu achar elevados face ao país que somos), mas a conduta, a ética, a seriedade e a dignidade com que se assumem os cargos públicos e se gasta o dinheiro dos contribuintes.
Mas dirão, quem vota é o povo e se a maioria do povo aceita e aplaude esta forma de gastar o seu próprio dinheiro, o que poderá fazer a minoria que não elegeu, no caso, alguém que esteve preso por fraude fiscal e branqueamento, mas que em 2017 consegue ganhar a câmara?
Se os 308 municípios gastarem em almoços de trabalho “normais” o mesmo que o município de Oeiras, os contribuintes portugueses pagariam por ano, mais de 7 milhões de euros. Por ano! Dirão, não é possível! Pois não! Não há lavagante nem Pêra Manca em todos os Municípios! E acredito, que a maioria dos autarcas não partilha a opinião e a conduta do autarca de Oeiras!
Susana Faria