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José Silva, enfermeiro felgueirense foi voluntário numa missão “Guiné-Bissau”

José Silva, tem 34 anos, natural de Sousa, é enfermeiro na Santa Casa da Misericórdia de Felgueiras, no Hospital Agostinho Ribeiro, desde 2010. Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico Cirúrgica na vertente do doente crítico.
Esteve recentemente como voluntário numa Missão “Guiné-Bissau” através da Associação Humanitária HumanitAVE.

Em conversa com o SF, José Silva conta-nos que já realizou ações de voluntariado, mas nunca tinha saído da sua zona de conforto. Diz que como voluntários aprendem o real valor de ajudar o próximo e a importância de se estar envolvido na luta por uma causa maior.
Revela-nos que, em 2020 criaram um grupo de voluntários com o intuito de ajudar os mais carenciados do concelho de Felgueiras, a Solidarium2020, mas a Covid deitou por terra os projetos idealizados. Apesar disso, conseguiram contribuir com muito material para esta missão na Guiné-Bissau.
No seu caso, já estava inscrito em várias Associações de Voluntariado Internacionais. Algumas muito conhecidas como a Médicos do Mundo, Cruz Vermelha ou AMI. Mas, estava à espera de uma oportunidade para embarcar numa missão. “Era algo que sempre quis fazer, mas tal nunca se proporcionou. Resolver realmente ir e enfrentar o desconhecido, não é tarefa fácil” diz José.

“É uma experiência incrível, capaz de nos transformar ao ponto de não conseguirmos ver mais o mundo como ele é, mas sim como gostaríamos que ele fosse!”, confessa-nos o enfermeiro em missão.


Entretanto, conheceu a HumanitAVE, através de uma colega de trabalho. Inscreveu-se online, participou em algumas reuniões, e ficou fascinado com o trabalho que era desenvolvido por este grupo de solidariedade.
A HumanitAVE é uma Associação de Emergência Humanitária, sem fins lucrativos de carácter humanitário e social, criada em outubro de 2016, com o intuito de valorizar e dinamizar a atividade social e humanitária no concelho de Vila Nova de Famalicão e Países Lusófonos. Atualmente é reconhecida como ONGD – Organização Não Governamental para o Desenvolvimento pelo Instituto Camões.
Foi selecionado e ficou feliz. Mas reconhece que “para quem fica, principalmente a família e os amigos mais chegados, é difícil gerir esta minha decisão pelos mais diversos fatores: situação geográfica, instabilidade política, saúde, alimentação, clima… compreendo que seja problemático, mas para os que vão também não é simples. Esta foi a primeira vez que me ausentei tantos dias de casa, desde que a minha filha nasceu”.
Diz-nos que a logística é enorme como seria de se esperar, mas que abraçou a missão como sempre faz quando se depara com algo novo, como um desafio novo. E que este era o projeto que esperava e precisava.
O SF questionou José do porquê de querer fazer voluntariado a 4000km de casa, quando existem locais e pessoas necessitadas mais perto? E José Silva responde dizendo que “há até quem olhe mais além e conclua que, se queremos sair da nossa zona de conforto, é porque precisamos de “sair”, há “alguma coisa” que nos faz querer “sair” … um problema!”
Nestes últimos anos, assistiu e sentiu que a Enfermagem, como muitas outras profissões em Portugal está “enferma” e os enfermeiros não são, de todo, valorizados pelo sistema de saúde e pela sociedade em geral.

“Cuidamos de dia e de noite, estamos lá, quando todos estão em casa com a família”


Afirma que a profissão de enfermeiro sempre foi muito pouco valorizada, tendo em conta a responsabilidade que assumem. E, regra geral, os enfermeiros são enaltecidos quando alguém, singular ou plural, passa pela necessidade de cuidados, ou quando cuidam de uma entidade VIP nacional ou estrangeira e essa personalidade reconhece e enobrece publicamente o profissionalismo dos enfermeiros. O problema é que os enfermeiros, todos os dias, cuidam de “entidades”. Porque o cuidar é o mesmo sendo um VIP ou não.
E salienta “Cuidamos de dia e de noite, estamos lá, quando todos estão em casa com a família. Não temos fins-de-semana ou feriados. Estamos sempre presentes, abraçamos o recém-nascido, apoiamos nas situações de maior fragilidade, seguramos a mão daquele que está no fim do seu ciclo de vida. Trabalhamos, muitas vezes, com pessoas em sofrimento, lidamos diretamente com a perda, o stress e a ansiedade. Somos sem dúvida uma profissão de risco… só não vê, quem não reconhece a realidade em que vivemos”.
Entende que a Covid veio agravar muito a vida dos profissionais de saúde, atirou-os para um buraco que muitos dos enfermeiros não conheciam. Admite, e não é vergonha que, tal como centenas de profissionais de saúde, esteve em burnout, que precisou de ajuda, que trabalhou muitas horas em piloto automático, que deu e perdeu muito… que envelheceu!
Considera, no entanto, que “o fundamental é pousar a cabeça na almofada e ter a consciência tranquila, de que mesmo com um desfecho menos bom, fizemos tudo o que devia e podia ser feito. Por vezes, afloram sentimentos de desalento, porque no “dia seguinte” somos abandonados. Sinto que de uma maneira geral, é assim que nos agradecem… com esquecimento! Por tudo isto, e pela falta de motivação, decidi que este ano iria tentar encontrar-me, e para isso tive de “sair”. Se não fosse a Guiné, teria sido outro local como a Turquia por exemplo. Era uma necessidade!”

“Se me perguntarem qual a sensação de fazer um parto natural sozinho? É INDESCRITÌVEL e BELO!!!


A Enfermagem não foi a sua primeira opção de escolha profissional, mas é aquilo que sabe fazer e fá-lo porque gosta. Tem consciência que pode sempre fazer mais… saber mais… dar mais! E tem consciência que a Guiné-Bissau o mudou para melhor. Foi e encontrou um propósito. Voltou a sentir que consegue fazer a diferença na vida das pessoas.
Antes de partir para a Guiné-Bissau, foram muito bem preparados pelos responsáveis dos projetos no terreno e voluntários que já participaram em missões semelhantes. Ficaram a saber o que os esperava, testemunhos, fotos, vídeos e ações de formação, algumas das quais com profissionais locais. Sabiam, portanto, que não seria uma tarefa fácil.
Mas o principal objetivo, como equipa de saúde, sempre foi e continua a ser a capacitação e o empoderamento dos profissionais daquele setor de forma a superarem os desafios que surgem diariamente.


O grupo era muito jovem. Para além dos dois responsáveis e de uma médica, esta seria a primeira missão, para a equipa. Felizmente, o facto de serem meros desconhecidos, não os afetou e foi espontânea a partilha de saberes, poder acordar todos os dias e reunir esforços no sentido de se tornarem uma verdadeira equipa de trabalho. Afinal de contas, o objetivo principal era apenas um: ajudar o próximo dando o máximo.
José refere “quem abraça a missão, tem que pensar diferente, tem que se envolver totalmente. Porque se não houver envolvimento de todos, não haverá o desenvolvimento que esperamos”.
Conta-nos que fez amigos, bons amigos, e todos querem voltar e que isso tem que querer dizer alguma coisa.

“Sabíamos o que íamos encontrar, mas ver com os nossos próprios olhos o que é realmente pobreza extrema, foi de arrepiar”


Foram para Bigene, um setor na região de Cacheu, a 4 horas de jipe de Bissau, a capital. Tinham missões diferentes, em projetos diferentes, conforme foi incumbido pelos líderes do grupo da saúde. Essencialmente, tinham de cuidar, de realizar gestão de material e capacitar os profissionais de saúde.
Diz ao SF “éramos 3 enfermeiros e, pelo que nos disseram, nunca lhes foi tão fácil encontrar enfermeiros disponíveis a abraçara missão. Vá-se lá saber porquê! Estávamos presentes no centro de saúde e na maternidade, edifícios separados por 100 metros. O objetivo era, prestar cuidados e a perceber o “modus operandi”, as dificuldades e como colmatá-las. Disponibilidade 24h por dia, tal como aqui em Portugal”.
Foram enfermeiros e passaram também a ser “engenheiros”, “farmacêuticos” e equipa de limpeza… Perceberam que os locais conseguem trabalhar em condições que nem imaginavam e que talvez nunca fossem capazes. Contribuíram para proporcionar uma melhor organização dos espaços, para que fosse possível trabalhar com mais eficiência e de forma mais eficaz. Apesar de tantas dificuldades, viram neles sorrisos puros de felicidade!
Acabavam o dia com formações, com vários os temas. Não conseguiram abordar todos os que queriam, uma vez que a estadia coincidiu com a campanha de vacinação da Covid e com o Ramadão. Ainda assim, abordaram o tratamento de feridas e queimaduras, terapêutica na pneumologia, suporte básico de vida pediátrico, prevenção de transmissão de infeções, fraturas, imobilizações e suturas.
A maior dificuldade que encontraram não foi o calor, nem a diferença cultural, nem a língua, nem a provável desorganização dos espaços, mas sim aquela “chapada” com uma realidade tão diferente.
O voluntário conta que “sabíamos o que íamos encontrar, mas ver com os nossos próprios olhos o que é realmente pobreza extrema, foi de arrepiar, mesmo com temperaturas a rondar os 40ºC. Sentimo-nos tão pequeninos ali no meio. Não valemos nada, temos praticamente tudo e continuamos a queixar-nos!!…”.
E continua a descrever “a grande maioria dorme em esteiras, num chão de terra, sem móveis, com a louça e a roupa em cima de sacos de plástico, não tem luz ou água canalizada, casas de banho como nós conhecemos. É muito duro entrar nas casas das pessoas e ver esta realidade.
Muitos nascem, como só vemos em filmes, sem qualquer acompanhamento durante a gravidez ou nos primeiros dias de vida”.
A HumanitAVE conseguiu trazer os nascimentos para a maternidade. “Se me perguntarem qual a sensação de fazer um parto natural sozinho? É INDESCRITÌVEL e BELO!!!” refere José Silva.
A área de intervenção de José é a emergência e o doente crítico, foi nela que investiu e é neste ramo que se sente bem. Mas em Bigene, não há cuidados de saúde avançados, não há uma rede de emergência, um 112, não há desfibrilhadores, ventiladores, raio x ou outros exames complementares de diagnóstico. Há cuidados de saúde básicos, onde os profissionais de saúde movem montanhas, para atingir o mesmo objetivo que se atinge em Portugal.
À pergunta, pensa voltar? O enfermeiro voluntário responde “sem dúvida. E um dia, quem sabe, levar a minha pequena Maria de 4 anos para também ela ver com os seus olhos o que é nascer daquele lado, porque tal como me disseram lá, numas das noites de conversa, NÓS NÃO ESCOLHEMOS ONDE, NEM QUANDO NASCEMOS, E PODÍAMOS TER NASCIDO NAQUELAS PARAGENS…
Saímos de lá com a sensação de dever cumprido. Aprendemos que felicidade não carece só de bens materiais!”

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